O poeta do amor continua esquecido


David Mourão-Ferreira foi sempre um dos meus poetas preferidos. Foi um homem bom, generoso, afável no trato e sábio diante do mundo e das coisas. A sua presença foi contagiante e modelo para várias gerações. Professor e ensaísta, a sua vasta obra será sempre lembrada pela poesia imensa,  belíssima e exaltante do amor. A sua lírica camoniana e simbolismo da linguagem, cedo fizeram do autor de "Um Amor Feliz", um dos grandes poetas da nossa contemporaneidade.  Lembro-me dele a escrever n
os jornais, no tempo em que os jornais, como o Diário Popular e O Primeiro de Janeiro acolhiam nas suas páginas críticos literários da sua estirpe e de outros nomes injustamente esquecidos, como João Gaspar Simões.  Mas, neste país de modas e memória fraca, recordo David Mourão-Ferreira pelo enorme contributo que deu  às letras portuguesas. Esteve na Seara Nova, nos anos 60,  na televisão onde deixou marca indelével e única (lembram-se das suas fabulosas conversas sobre livros, a vida e os poetas, sempre de sorriso doce, palavra certeira e cachimbo na mão?) na Fundação Calouste Gulbenkian, onde granjeou enorme prestígio com o lançamento das Bibliotecas Itenerantes e Fixas e com tal iniciativa, incentivou à difusão do livro e da leitura  junto das pessoas das aldeias esquecidas deste país,  na revista Colóquio-Letras onde deixou semente e um punhado de reflexões, análises e escritos.  Despediu-se deste país com um sorriso nos lábios e deixou-nos poemas deste mundo e do outro. Como este retirado do livro "Tempestade de Verão", intitulado "Elegia do Ciúme".  Leiam e façam o favor de serem felizes.

Elegia do Ciúme
A tua morte, que me importa, se o meu desejo não morreu? Sonho contigo, virgem morta, e assim consigo (mas que importa?) possuir em sonho quem morreu.

Sonho contigo em sobressalto, não vás fugir-me, como outrora. E em cada encontro a que não falto inda me turbo e sobressalto à tua mínima demora.

Onde estiveste? Onde? Com quem? — Acordo, lívido, em furor. Súbito, sei: com mais ninguém, ó meu amor!, com mais ninguém repartirás o teu amor.

E se adormeço novamente vou, tão feliz!, sem azedume — agradecer-te, suavemente, a tua morte que consente tranquilidade ao meu ciúme.

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