Pelas ruas de Havana com música de Compay




Pelas ruas estreitas de Havana Velha existem seculares edifícios coloridos suportados por colunas e pilastras, um casario patrimonial classificado pela Unesco, único, cheio de humanidades. Em frente, fica a famosa baía do Malecón e como sempre, amanhece belíssima, sedutora. Pela tarde, deixo-me embalar pela música de Ibrabim Ferrer, pelos sabores dos mujitos servidos na Bodeguita del Medio, onde Hemingway, o Nobel de “Por Quem os Sinos Dobram” e apaixonado por Cuba decidiu viver e morrer. Em frente deste mítico bar cubano, a negra de cabelos brancos tira mais um puro da sacola e senta-se na soleira da porta de casa a ouvir “Chan Chan”, de Compay Segundo, resgatado da poeira do esquecimento por Wim Wenderes, no memorial “Buena Vista Social Clube”. Passam em grupo turistas de todo o mundo. Olham, captam fotos de todos os ângulos. Existem outros olhares atentos. Alguns moradores sugerem convites sussurrados de boa mesa em casas particulares, os famosos “paradores”. Outros, tentam vender charutos marados de marca “Cohiba” e “Monte Cristo”.   Num país de liberdades vigiadas, onde só tem opinião quem escreve no “Granma”, órgão oficial do PCC e do Estado de Cuba, o meu amigo José deixou de acreditar na Revolução. Já pouco vê televisão e dos longos comícios de Fidel guarda, apenas, uma ténue memória. Por falta de dinheiro nunca jantou fora de casa, raramente faz uma viagem dentro do país com a família (ir a Varadero é completamente proibido. O acesso só é permitido aos turistas…)  e todos os tempos livres são gastos a trabalhar.  Só tem tempo para ganhar o sustento para si e família. Espanta-se quando dou conta das visitas ao Capitólio, cuja arquitectura foi tirada a papel químico do famoso edifício situado em Washington,  Museu da Revolução, Teatro Fausto, ou reporto a viagem a Matanzas, considerada a “Veneza crioula” e cujo centro histórico permanece perdido no tempo, talvez denário de um filme neo-realista dos anos 50 de Fellini. Para o meu amigo José ter emprego e ser motorista do Estado já constitui um enorme privilégio. Não gosta de falar de política e apenas solta algumas palavras de circunstância. “Cuba ainda não se abriu ao mundo”, diz sem perder o sorriso e a fé. Durante o dia, o velho Skoda vindo dos antigos países de Leste, serve de transporte de ministros e altos funcionários do ministério onde trabalha. Após as horas de serviço, continua ao volante do Skoda para levar turistas a alguns sítios fora dos habituais roteiros das agências de viagens. Só aceita dólares e não regateia o preço. Numa pausa para café, José mostrou-se desencantado com a vida em Cuba e contou-me um segredo capaz de gelar a alma de um qualquer tirano: “Todo o dinheiro ganho com os turistas vai direitinho para comprar um frigorífico”.  




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