Mulheres de Camilo


 
Um roteiro familiar, sentimental e amoroso da vida de um grande escritor português - Camilo Castelo Branco – pode ser admirado no Centro Português de Fotografia, à Cordoaria, no Porto. A exposição intitula-se Mulheres de Camilo e oferece-nos múltiplas pistas de leitura, uma mão cheia de testemunhos fundamentais para a compreensão do universo camiliano, cuja mulher no imaginário literário e poético do escritor emerge sempre na nossa memória como Ana Plácido, a grande mulher de Camilo que, neste edifício, antiga Cadeia e Tribunal da Relação do Porto estiveram presos por amor.
A primeira coincidência desta mostra feliz está relacionada com simbologia do lugar, já que, foi aqui que Camilo esteve preso pelo crime de adultério e escreveu um dos seus romances mais conhecidos, “Memórias do Cárcere” publicado em 1862.  Por isso, quando são abordadas as relações de Camilo com as mulheres, o nome que inevitavelmente emerge como a mulher de Camilo é Ana Plácido,  a amante - no sentido nobre do termo - que Camilo verdadeiramente amou e partilhou tanto na vida como na morte e cujos restos mortais estão lado a lado sepultados no cemitério da Lapa, no Porto.
Como enfatiza  a exposição, Ana Plácido não foi só a mulher, a mãe dos seus filhos que Camilo casou numa cerimónia privada e viveu durante algum tempo num prédio da Rua de Santa Catarina, no centro do Porto.  Foi também o “anjo tutelar da família”, a mulher apaixonada pelas letras, colaboradora de vários jornais, traduziu e escreveu “Luz Coada por Ferros” e “Herança de Lágrimas”, a musa inspiradora do autor de Amor de Perdição, já que, foi através desta cumplicidade que contou ao marido e escritor muitas das histórias que povoam o imaginário rural do Minho em finais do século XIX.
Camilo retribuiu-lhe com gratidão: “Eu sou um Homem que sabe tudo e muitas outras cousas. Não espreito a vida do meu próximo, nem ando pelos salões atrás de uma boa ideia que possa estender-se por um volume de 300 páginas que, depois, vil espião, venho vender-vos por 480 mil réis. Isso nunca. Tudo isto que eu sei e muito mais espero saber, é-me contado por uma respeitável senhora” (escreveu Camilo em “A Filha do Arcediago”). Não se ficam por aqui os elogios: “É uma alma de ferro a desta mulher. Faz orgulho amá-la!”, sublinhou Camilo numa carta enviada ao amigo José Barbosa e Silva. 




Filho de “mãe incógnita”

Neste encontro com as Mulheres de Camilo o visitante poderá então admirar dezenas de fotos, textos, bibliografia, documentação valiosa do percurso do escritor, o contexto histórico de alguns factos marcantes na vida do cronista do Porto, romancista, poeta, polemista.  A exposição começa com um painel onde aparece uma foto da mãe de Camilo, nascida em Sesimbra no seio de uma família humilde. 
Como se sabe, o escritor foi perfilhado pelo seu pai em 1829 como sendo filho de “mãe incógnita”. Depois, surge o nome de Joaquina, que Camilo conheceu em Friúme, arredores de Vila Real, com quem casou e teve uma filha, Rosa.  Joaquina e Rosa viveram pouco tempo. A seguir e após fracassados estudos na antiga Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Camilo deixou-se enamorar por Patrícia Emília. A documentação exposta dá conta que ficaram apaixonados e depois de uma fuga foram acusados de furto. Da relação amorosa nasceu, em 1948, uma filha (Bernardina Amélia) e por quem Camilo manteve “carinho e afecto”.
No mesmo painel surge uma carta curiosa de Camilo enviada ao pintor portuense Silva Porto: “Meu amigo: vinha com a sua carta outra que devolvo. Faz-me este caso lembrar um galante equívoco. Minha filha, quando estava no convento Avé Maria [local onde foi construída a Estação de S. Bento] um dia mandou-me a carta que escrevera ao namoro e mandou ao namoro a carte que escrevera ao pai. Eu devolvi-lhà e disse-lhe que não fizesse a sua correspondência d´um fôlego para não se equivocar com os destinatários (…)”.
Entre 1800  e 1861, a maioria dos biógrafos refere que entre Camilo e Maria Felicidade do Couto Browne existiu um romance de amor, apesar da diferença de idades (25 anos) a separar um do outro. Nesta altura, já Camilo escrevia no jornal “O Nacional” (jornal político, literário e comercial) e a seguir, vem Fanny Owen, filha do coronel Owen, uma história verdadeira de amores e paixões  ocorrida no segundo quartel do século XIX e que, muitos anos depois, em 1979,  Agustina Bessa-Luís recriou ao escrever, com o mesmo título, um célebre romance histórico e Oliveira cinematizou com o filme “Francisca”, estreado em 1981, no Festival Internacional de Cinema de Valladolid, em Espanha.




“Cidade medieval nos amores”

No imaginário feminino de Camilo existem outras mulheres. Por sedução ou prazer, outras vezes pelo simples gozo em tomar partido, agitar, provocar. Em 1849, Camilo conheceu Dabedeille e Clara Belloni, divas no Real Theatro S. João. Camilo sente admiração por  Belloni. “E as primas-donas, o que é feito d`elas”? Onde tiritam essas duas velhinhas que trouxeram ali de escantilhão, de asneira em asneira, a juventude d`esta cidade, medieval nos seus amores e os coraçoens dom-juanescos dos morgados de Riba-Douro, Riba-Corgo e Riba Tâmega? A Belloni nunca mais cantou. Morreu logo. A Dabedeille poucos anos sobreviveu à sua pobre rival no procenio. Lá foram ambas desafinar no côro dos anjos”, (In Serões de S. Miguel de Ceide”).
Depois, entra em cena Madalene Rattazzi, romancista, visita frequente do Porto, autora de “Le Portugal à vol d`Oiseau”. Camilo voltou a surzir e criticou asperamente os comentários “pouco simpáticos” da madame Rattazzi. A sociedade conservadora da altura aplaudiu.  De polémica em polémica, o grande escândalo chegou e uma vez mais Camilo protagonizou outra história de amor. Ana  Plácido, com apenas 19 anos decidiu casar com Pinheiro Alves, 43 anos, um homem rico e cheio de fortuna.

Ao fim de oito anos de casamento, nasceu Manuel Plácido mas, há muito tempo que a “society” comentava as ligações amorosas entre Camilo e Ana Plácido. Sentindo-se traído, Pinheiro Alves desencadeou um processo por adultério (na época era um crime…). O resto é conhecido: ambos são presos no antigo Tribunal e Cadeia da Relação do Porto, julgados e mais tarde absolvidos. Estimulada por Camilo, Ana Plácido dedicou-se à escrita e à literatura. Foi a musa inspiradora da sua obra. Camilo escreveu então páginas comoventes de amor: “Era a mulher doméstica por excelência; o anjo tutelar da família; era a dona, a dirigente da sua casa e a enfermeira da família física e moralmente”, reconheceu o escritor.
A outra história de vida do escritor é conhecida:  impedido de ler e escrever devido à cegueira que o atormentou, Camilo entrou em profundo desespero e após a consulta do seu oftalmologista, puxou do revólver e deu um tiro na cabeça, morrendo logo de seguida. Foi no dia 1 de Junho de 1890. Em S. Miguel de Ceide, a poucos quilómetros de Famalicão,  lá está a célebre “casa amarela”, cujo edifício preserva o espólio artístico/patrimonial do escritor e procura recriar o ambiente mental, cultural e político da época. São outras memórias do lugar onde Camilo viveu, amou e foi feliz.







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