Arte de filigrana em “Escritas do Sol”




A artista apenas utilizou algumas matérias nobres como seda translúcida, fios de ouro, prata e pedras de cristal nas recentes obras concebidas em diferentes formatos, texturas, imagens que remetem para o esplendor quinhentista das Descobertas. 
Margarida Reis, chamou-lhes “Escritas do Sol” e o resultado do seu percurso estético está patente na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos.  Uma viagem para os sentidos e o avivar de memórias de antigos ofícios ligados à tecelagem e ao têxtil, mas também, tributo ao percurso singular de uma mulher única no panorama da arte contemporânea portuguesa. Na próxima Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, prevê-se a devida homenagem.
“Foi muito difícil chegar até aqui, por vezes até doloroso. O problema desta minha exposição é que eu nunca sabia quando ia acabar. Só terminei quando a ideia que esteve na sua génese findou. Depois, não faço nada igual”, confessou Margarida Reis. Dias após a inauguração dos seus trabalhos, “um sucesso enorme, pois a galeria esteve cheia de muitos amigas e amigos”, a artista dispôs-se a fazer uma espécie de visita-guiada às “Escritas do Sol” e contar algumas histórias do seu percurso estético e artístico. 




“Este projecto só viu a luz do dia ao fim de 12 anos de trabalho contínuo. Só duas das peças expostas têm mais de quinze metros de rede e 3000 pedras de cristal. Tudo feito em linho tratado para conceber o efeito textural. Não foi fácil fazer estes bordados a ouro, juntar as pedras com outros tecidos fazendo uma espécie de joalharia cósmica que inunda a terra de luz”, diz Margarida Reis, sorriso luminoso e afabilidade no olhar, uma doçura de senhora,  82 anos, eterna apaixonada pela poesia de Sophia e grata a Eduardo di Capua, o napolitano que imortalizou “Sol Mio”.
 
A exposição desenrola-se em diferentes núcleos e pelas paredes sobressaem excertos de poemas de Sophia [de Melo Breyner Andresen]  obras com legendas sedutoras: “Árvore do Sol”, “Infinito”, “Memórias de Ausência”, “Terra Adormecida”, “Depois do Sol, antes de amanhecer”. Todas as peças estão revestidas com caixas de acrílico e todas elas foram vendidas ainda no ateliê a coleccionadores particulares ou institucionais.  Qual o segredo em tempos de crise?
A resposta estará, com toda a certeza, no prestígio alcançado ao longo de muitos anos, à originalidade das suas obras sempre pautadas pela criatividade e originalidade, onde a seda e a ourivesaria são elementos de criação artística.
 O mesmo aconteceu há 20 anos quando um conhecido empresário do Porto foi aconselhado a deslocar-se à Cooperativa Árvore, no Porto, com o objectivo de apreciar a exposição intitulada “A linguagem amorosa do têxtil” (1995). Foi amor à primeira vista. A colecção foi imediatamente adquirida pela Fundação Belmiro de Azevedo com vista à criação de um núcleo museológico onde as artes ligadas ao têxtil e à tecelagem tivessem o relevo e a atenção pública que merecem.
“Todo o trabalho têxtil está ligado à mitologia como criadora do Universo. Nas sociedades remotas dizia-se tecer o Mundo em vez de criar o Mundo. O acto de tecer teve sempre correspondência com o nascer da vida e o nascer cósmico”, disse a artista ao Porto24.
O pintor e galerista Rui Alberto acompanha há vários anos o trabalho da artista e elogia o seu percurso: “É um caso único no Mundo.  Não conheço ninguém igual. Tem um sentido de contemporaneidade incrível e consegue conciliar materiais pouco vulgares e difíceis de serem trabalhados,  como o linho e a seda, dando-lhes texturas muito ricas do ponto de vista artístico. É uma artesã no sentido conceptual do termo com enorme inteligência e criatividade”,  enfatizou.
 
A artista formou-se na antiga Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis (onde durante muitos anos leccionou)  e efectuou o curso de Complemento Têxtil, na Universidade do Minho.  Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, ganhou vários prémios e distinções, participou em diversas exposições individuais, a penúltima das quais, em 2013, intitulada “Em Busca do Silêncio”, no Paço dos Duques, em Guimarães.
Em “Escritas do Sol” Margarida Reis utiliza uma linguagem cósmica para definir as suas últimas criações artísticas, alegorias onde entram estrelas e o sol a namorar a lua às escondidas do arco-íris. E como o “Sol é o símbolo da Vida”, nada melhor que, então, admirar a obra exposta de uma artista que, aos 82 anos continua a surpreender-nos para deleite dos seus inúmeros admiradores e coleccionadores.  Só os “media” continuam a silenciar uma das artistas mais criativas e inovadoras do nosso tempo. A exposição pode ser admirada até ao dia 4 de julho.
Mais informações em: www.cm-matosinhos.pt

 Dez anos a mostrar Arte
 A Galeria Municipal Florbela Espanca existe há 10 anos e desde então tornou-se um dos equipamentos de referência cultural no panorama das artes plásticas e palco habitual de colóquios, lançamento de livros, debates sobre poesia e literatura, entre os quais, os encontros denominados “Literatura em Viagem”.
Entre a meia centena de exposições já realizadas contam-se a mostra de trabalhos de Armando Alves, Júlio Pomar, Zulmiro de Carvalho,  Resende, Alberto Carneiro, Paulo Neves, Henrique Silva, entre muitos outros.
“A maioria dos grandes pintores e escultores já tiveram exposições neste espaço. Fruto da selecção empregue a Galeria tornou-se uma referência cultural”,  reconheceu Fernando Rocha, vereador da Cultura da Câmara de Matosinhos.
Além das exposições feitas através de selecção e convite, a Galeria estabeleceu parcerias com a Fundação de Serralves/Museu de Arte Contemporânea e neste contexto, tem revelado diversos trabalhos artísticos, vídeos, instalações e outras artes visuais. Até ao final do ano estão previstas exposições do escultor Carlos Marques e do pintor Jorge Pinheiro, um dos artistas do famoso grupo Quatro Vintes (composto por José Rodrigues, Armando Alves e Ângelo de Sousa) todos eles terem terminado os seus cursos na antiga ESBAP com a nota máxima de 20 valores.




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