As “Folias” de Egídio Santos dão mais beleza aos “Coretos”



 

“A fotografia jamais dever ser artificial” (Henri Cartier-Bresson)

É um fotógrafo com uma estética muito própria,  um percurso profissional com 25 anos, dezenas de exposições, um “portfolio” de trabalhos repartidos por livros, revistas, jornais, entre os quais, “O Independente”, anos 90 do século passado, onde sempre o conheci de máquina a tiracolo, olhar irrequieto e discreto, talvez a marca de água e modo de estar na vida, pois onde quer que eu vá o fotógrafo está lá e sempre com a sua máquina de estimação. “Por vezes, até chego a levar a máquina para o supermercado quando vou fazer compras”, contou-me, há dias, numa curta conversa ao telefone, sem dar tempo para outras questões sobre a arte de fotografar, esse instante fugidio e os anos 90, onde a aventura começou, ou pelo menos, ganhou  asas para o sonho, o fotojornalismo. A fotografia de autor veio depois e completa-se: captar o instante com sensibilidade no olhar, clicar, clicar mil vezes, escolher, seleccionar, editar e dar à estampa.

Nas nuvens com o Douro

Com um mundo cada vez mais cristalizado e poliédrico, Egídio Santos, tem uma visão muito peculiar do seu mundo, das vilas e aldeias, dos lugares onde só restam os velhos e algumas pessoas sedentas das suas raízes, tradições e memórias. O Alto Douro Vinhateiro imortalizado por escritores, poetas, pintores é um dos sítios onde o fotógrafo regressa sempre com prazer e, caso pudesse, teria a câmara sempre apontada à paisagem duriense, aos socalcos onde se produz um dos melhores néctares do Mundo, aos homens e mulheres que trabalham na vinha de sol a sol a troco de uma ninharia de dinheiro.

Não por acaso, este território já foi várias vezes calcorreado pelo foto-jornalista quer, através de encomendas para empresas privadas ligadas ao sector da produção e exportação do vinho do Porto, quer por instituições públicas imbuídas da promoção e divulgação patrimonial destes lugares, vilas e aldeias perdidas na cartografia de um país por descobrir e valorizar.

Entre livros e exposições, recordo as imagens de “Este Rio, Este Vale” (CPF, 1998); “Cister no Vale do Douro” (Afrontamento, 1999) ou “Sogrape/Uma História Vivida” (Campo das Letras, 2003); “Marcos da Demarcação” (Museu do Douro, 2007); “Arquitecturas da Paisagem Vinhateira” (Museu de Lamego, 2008) e “A Região Vinhateira do Douro” (Afrontamento, 2013), entre outras.

 “Rostos” de ferrugem

Voltemos aos anos 90 e ao “Independente”. Nessa altura, Egídio Santos foi encarregado de efectuar uma reportagem nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e após muitas fotos obtidas e editadas, muitas outras ficaram no seu arquivo pessoal, apenas resgatado da penumbra alguns anos mais tarde, quando no rescaldo da enorme luta laboral, sindical e política em torno do fecho (ou) privatização dos antigos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. “O ambiente, as gruas, os trabalhadores a soldar, toda a dinâmica no estaleiro é apaixonante para qualquer pessoa que goste de fotografia”, disse, na altura, ao “Observador”.

Estava lançado o projecto “Rostos” onde, através da sua lente, observou a rudeza do trabalho levado a efeito pelos operários da construção naval, angústias e incertezas, histórias de soldadores, electricistas, mecânicos, carpinteiros e outra gente da ferrugem com mãos calejadas. O resultado foi surpreendente, faz parte do projecto Centro de Memória, Identidade e Imagem e, até ao final do mês, poderá ser admirado no navio Gil Eanes.

Depois, em 2015, Egídio Santos aceitou levar por diante o projecto “O Porto e as Igrejas, uma encomenda da Câmara Municipal do Porto que, infelizmente e por razões desconhecidas, não teve a visibilidade e a divulgação mediática que merecia, o fotógrafo regressa a deslumbrar o nosso olhar com “Folias” (2020), uma longa reportagem fotográfica sobre as “Máscaras” no Nordeste Transmontano, mais concretamente, na aldeia de Vila Boa, no concelho de Vinhais, retratos de um território marcado pela interioridade, abandono e muitas vezes, incúria dos poderes públicos, na salvaguarda do património edificado. Restam as tradições dos “Caretos”, danças entre foliões e moças namoradeiras, muita farra e chocalhos, cantigas e folguedos de encantar. Mais uma mostra surpreendente e encantadora que, poderá ser vista até ao dia 15 de Novembro, no Teatro Municipal de Vila do Conde.

É assim o trabalho deste fotógrafo incansável, sensível e culto, guardador de registos únicos de personalidades da política, das artes e das letras. E que não esquece os lugares onde é sempre feliz: a cidade do Porto, o seu património e gentes; e o Douro com as suas paisagens de encantar.

 

 

 

 

 

 

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