Prós e Contras: a manipulação descarada


Há muito tempo que deixei de ver regularmente televisão. Agora, faço de vez em quando "zapping" e sinto-me bem. Há dias, porém, não resisti e perdi (literalmente) alguns minutos a seguir o Prós e Contras/ RTP1 (ou Prós e Prós?) . Foi na última segunda-feira, à noite e o programa tinha um mote: "A Sentença". Como pano de fundo do enredo kafkaniano, o processo de pedofilia à volta da Casa Pia. No centro do palco, Fátima Campos Ferreira, fazendo as vezes de jornalista/apresentadora, animadora e omo convidados, José Manuel Fernandes, Rui Rangel, António Marinho Pinto, Daniel Oliveira. E o que vi deixou-se envergonhado. Em vez de Informação, existiu manipulação e sem direito a contraditório. Em vez de esclarecimento sério e fundamentado, branqueamento de um dos condenados pelo Tribunal, argumentos e insinuações tendentes a deixar dúvidas na opinião pública. Descredibilizar ainda mais o sistema de Justiça que - todos juram defender a pés juntos como sendo um dos pilares do Estado de Direito Democrático - foi um  objectivo habilmente atingido. A maquilhagem do programa foi ao ponto de tentar desculpar, inocentar, substituir uma decisão judicial pela manipulação das consciências e optar por um espectáculo feito de entretenimento e um exercício de pirotecnia. A parte final deste jogo de luzes e sombras foi patética e esclarecedora. Depois de Carlos Cruz ter repetido que a sentença do Tribunal Criminal de Lisboa foi uma "monstruosidade jurídica", aproveitou o tempo de antena para voltar a tirar partido da sua imagem de comunicador. Qual encenação já repetida num filme de série B, Fátima C. Ferreira virou-se para o amigo e com o ar mais informal deste mundo perguntou: "Queres fazer-lhe (na plateia sentou-se o jovem Bernardo, uma das vítimas que ousou dar a cara na televisão) alguma pergunta, Carlos"? A jogar em casa,  o "senhor televisão" aproveitou a deixa e repetiu, pela enésima vez, as ditas "monstruosidades". Na memória retenho uma voz lúcida vinda da plateia, Álvaro Carvalho, psiquiatra, conhecedor dos crimes e dos abusos praticados na Casa Pia:  "A Fátima disse que estámos aqui a falar de ideias, mas importa discutir os factos",  lembrou, perante a assistência. "Ninguém esquece o primeiro abuso", insistiu perante o olhar irónico e perguntas em catadupa do dr. Marinho, Bastonário da OA. Para quem sofre de amnésia ou quer baralhar os dados, lembre-se que o processo judicial demorou 8 anos, teve 461 sessões de julgamento, contou com 920 testemunhas, um sem número de investigações, provas documentais e perícias. E os factos foram dados como provados. Onde está a inocência das virgens ofendidas?

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