António Pedro, encenador e poeta partiu há 45 anos


António Pedro morreu há 45 anos. Foi muito mais do que um homem de teatro, cujo nome está indelevelmente ligado ao TEP-Teatro Experimental do Porto, uma das instituições culturais portuenses de maior prestígio do século XX. Além do teatro (quem não se lembra da encenação de "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Miller?), António Pedro fez jornalismo (foi locutor da BBC),  estudou Direito e Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa, fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa, foi poeta, novelista, romancista, pintor, escultor, dramaturgo e tudo. Lembro-me dele na RTP, nos anos 60 (cujos estúdios do Monte da Virgem ainda serviam para a  produção de programas culturais...) a falar sobre teatro de uma maneira desempoeirada, com linguagem simples e clara. São algumas imagens de marca que guardo na memória. Mais tarde, tive o privilégio de conhecer o dramaturgo no antigo teatrinho de bolso do TEP, na antiga Travessa de Passos Manuel (hoje Rua de António Pedro) bem perto do Ateneu Comercial do Porto e acompanhei a sua dimensão estética e teatral. Dizer que foi um homem de grande sabedoria talvez seja redundante. António Pedro foi muito mais do que isso, foi talvez um poeta visionário do teatro, um homem que viveu à frente do seu tempo e que procurou criar uma estética teatral inovadora e moderna.
Nasceu em Cabo Verde (cidade da Praia) em 1909 e viveu a maior parte da sua vida em Moledo do Minho, numa casa da tia paterna, mas hoje, infelizmente, a residência mudou de mãos. Podia ser um centro de pesquisa, uma casa de memórias e estudo sobre a vida e obra de António Pedro, mas nada disso aconteceu e quem passar pelo sítio onde o encenador viveu, na Avenida de Santana, 204, em Moledo do Minho, não deixará de sentir emoção e ao mesmo tempo revolta pelo facto dos herdeiros não terem sabido preservar o espólio e o seu legado patrimonial, o espírito do lugar de um dos homens mais lúcidos da cultura portuguesa.
Uma nota mais para acrescentar uma coincidência: António Pedro partiu há 45 anos e hoje completam-se 75 anos sobre o assassinato de Federico Garcia Lorca pelas tropas de Franco. O encenador ainda tentou levar à cena um texto de Lorca, mas tal não aconteceu. Só muitos anos mais tarde, na década de 70, o encenador Angel Facio, conseguiu teatralizar "A Casa de Bernarda Alba", um dos maiores êxitos do TEP de todos os tempos e cujo cartaz, de autoria de José Rodrigues, afixado nas montras das lojas comerciais da Baixa do Porto, a PIDE mandou retirar com o pretexto de ser "subversivo". Tudo era proibido nesses tempos, mas a peça foi um êxito retumbante e as sessões estavam sempre esgotadas e a peça de Lorca teve como papel principal o actor Júlio Cardoso.
Por último, refira-se que António Pedro dirigiu o TEP durante 18 anos (entre 1953 e 1961), talvez os anos de ouro, aqueles que ficarão gravados para sempre como os momentos de maior glória e esplendor, sem dúvida devido à lucidez de um homem que foi muito mais do que um encenador teatral, antes um visionário que mudou radicalmente a maneira de fazer teatro em Portugal.

PS) Como a vida dá muitas voltas, o TEP já não está no Porto há vários anos. O teatrinho de bolso serve agora de garagem e após várias peripécias sobre o seu valioso espólio, as suas instalações mudaram-se para a  outra margem do Douro, em Vila Nova de Gaia onde, com regularidade assinalável são produzidos espectáculos teatrais. Os apoios financeiros chegam através da Câmara Municipal de Gaia, dirigida por Luís Filipe Menezes (PSD). Curiosamente, foi nos tempos em que Fernando Gomes (PS) esteve à frente da Câmara Municipal do Porto e Manuela Melo, como vereadora da Cultura (e antiga actriz do TEP) que a companhia teatral foi obrigada a abandonar o Porto e a fixar-se em Gaia por falta de apoios financeiros e estímulos à actividade teatral. A mudança para a outra margem do Douro não foi uma coincidência, antes falta de visão e miopia política-partidária.

Comentários

  1. gostaria apenas de referir que o cartaz do espectáculo "a casa de bernarda alba" de 1972, é da autoria de armando alves (pintor, n.1935 - ).
    parabéns pelo blog.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário