Fausto e "celebridades" voltam ao Douro


O pomposo “Douro Film Harvest” está de regresso. Será em Setembro e pela "passerelle" irão surgir caras conhecidas:  do lado de cá Ruy de Carvalho e Catarina Wallestein. Do lado de lá, do chamado país irmão, a comitiva tem outras “celebridades”:  José Wilker e Cacá Diegues. O primeiro é actor de telenovelas, o segundo é cineasta. Na comitiva também vem a princesa Carlota Joaquina. Por aqui se vê que o sotaque será brasileiro. Mas será tudo para “inglês ver”. O custo desta mega promoção turística à Região Demarcada do Douro foi estimado em cerca de 450 mil euros, uma bagatela em tempos de crise. Fica-se por saber qual o tipo de  estratégia desta operação de marketing, o projecto (se é que existe tal coisa) e alcance da iniciativa. Os organismos do Douro parecem  rejubilar e voltam a patrocinar a iniciativa. São eles: Turismo do Douro, Turismo de Portugal,  Instituto dos Vinhos do Douro e  Porto,  Estrutura de Missão do Douro e respectivas câmaras municipais. Mas será que estes eventos trazem algum valor acrescentado ao Douro e atraem turistas? E conseguem abrir portas a novos mercados e, sobretudo, ajudam a  promover  de forma consistente uma região com graves problemas estruturais e asfixiada economicamente?
 Em 2010,  a organização gastou literalmente uma “pipa de dinheiro” para trazer uma actriz que vive do passado  (Sophia Loren) e  hoje até os holofotes lhe sufocam o olhar. Já não promove nada nem ninguém. Prestaram-lhe todas as honrarias. Este ano, lembraram-se de  homenagear a mítica (para alguns) Carmen Miranda. Andou pelo Brasil, mas nasceu no Marco de Canavezes,  logo uma sub-região do Tâmega, terra de vinhos verdes, situada fora dos limites do Douro Património Mundial. Desconhecimento ou não da geografia, o certo é que o Douro admirado por Torga está a viver uma das maiores crises da sua História. Só as multinacionais não param de comprar quintas, montes e vales para a produção de milhares de hectares de vinha. O Douro está na moda, mas só para gente endinheirada.
Perante o cenário de crise (que parece ser endémica) os pequenos e médios vitivinicultores, os homens e as mulheres que trabalham à jorna e ajudaram a moldar aquela paisagem deslumbrante e única no mundo andam preocupados. Para o visitante que vem fruir a paisagem e degusta um cálice de Porto convém lembrar um facto que os guias turísticos não mencionam: o Douro é uma obra divina e foi moldada ao longo de várias gerações com muito trabalho e suor. Foram eles que construíram os sucalcos e os   muros, combateram a filoxera e de sol a sol transportavam para os lagares as uvas da vindima ganha à jorna. Bastará consultar alguns livros ou estudos publicados pelo maior investigador da região duriense, professor Gaspar Martins Pereira, para melhor se compreender as razões históricas e políticas que, ao longo dos séculos, o Douro continue sem um projecto de desenvolvimento capaz de alterar as condições de vida de  trabalho dos durienses.
O caricato (ou trágico?) da  iniciativa pomposamente denominada  Douro Film Harvest  não reside só no esbanjamento de dinheiros públicos. Antes coincide com um momento particularmente  difícil: o Douro está  a viver a pior vindima da sua história e os vitivinicultores andam aflitos. Não só vão perder o direito de produzir cerca de 25 mil pipas de vinho do Porto - cujo rendimento ascende a cerca de 21 milhões de euros -,  como estão sufocados de dívidas. Reclamam, por isso, um Plano de Emergência para a região e há dias,  os produtores da Avidouro - Associação dos Vitivinicultores Independentes do Douro vieram para as ruas da Régua. E fizeram-se ouvir. Por entre protestos e outras “justas reclamações” defenderam o aumento do preço de venda da pipa de vinho do Porto para 1200 euros (este ano o preço médio ronda os 800 euros). Depois do ruído veio o silêncio e aparentemente ninguém lhes prestou mais atenção.
Como “um mal nunca vem só” a Casa do Douro continua cravada de dívidas e sem solução financeira à vista. O mesmo cenário acontece no Museu do Douro, cujo défice de tesouraria contabiliza cerca de 800 mil euros. Resultado: o pessoal foi reduzido aos mínimos e os ordenados “já são pagos quando Deus quer”. Uma nota mais para dizer que o Orçamento do Museu do Douro é de um milhão de euros: o Governo assegura 50 por cento da verba e os restantes pelas autarquias da Região Demarcada do Douro.
Actualmente, o Museu do Douro tem uma exposição permanente sobre o bicentenário do nascimento da Dona Antónia, a Ferreirinha, considerada pelos estudiosos e investigadores como uma das mulheres que melhor soube impulsionar e desenvolver o Douro.  Ironia da história: para manter um museu aberto e dar sequência ao projecto do Museu do Douro -  inicialmente  concebido pelo investigador Gaspar Martins Pereira -  não há dinheiro (o catálogo só lá para o final do ano ficará pronto….) mas para a society passear alguns dias pelo Douro, deliciar-se com provas de vinhos e degustações os meios financeiros foram desbloqueados.  Afinal, a crise do Douro é uma invenção.

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