José Mattoso foi sempre o meu historiador de eleição. O seu percurso de vida como investigador e homem de Cultura, a sua devoção a várias causas (entre as quais, a monástica) mais o seu rigor de análise histórica e científica, as suas observações sobre Deus e a vida dos homens despertaram em mim não só curiosidade e atenção, como estudo, investigação e pistas de reflexão. Além da História de Vitorino Magalhães Godinho, recorro com frequência à notável História de Portugal, concebida em oito volumes e dirigida por José Mattoso (Círculo de Leitores, 1992). Não admira, pois, que tenha saboreado com gosto e prazer a última entrevista dada pelo antigo monge beneditino à revista Ler. Ora oiçam como abriu a sua alma a Deus e aos homens.
Esteve em Timor com a ideia de identificar um país e ajudar ao "Nascimento de uma Nação". Saiu como entrou: em silêncio, embora desiludido e com críticas aos políticos e ao clero timorense. Depois de ter abandonado a vida de monge, a sua divisa continua a ser "Ora e labora" mas, longe dos rituais da Ordem de S. Bento. Agora, numa aldeia perdida do distrito de Aveiro, José Mattoso, historiador, autor de uma vasta e singular obra historiográfica, encontrou o silêncio que precisava para continuar a investigar e escrever obras fundamentais da geografia humana, cujo exemplo mais concludente foi a recente reedição de "Portugal/O Sabor da Terra". Como o isolamento pode ser um meio de atingir a felicidade - "Posso estar sozinho no meio da multidão"-, diz Mattoso, o autor da "História de Portugal" dá-nos a sua visão sobre Deus e os homens, opina sobre "Caim", o último romance do Nobel da Literatura e não hesita em dizer que Saramago "descarrilou um bocadinho".
Há mais pontos de vista a reter na longa entrevista dada pelo historiador e Prémio Pessoa à revista Ler (Setembro/2010). Mostra-se alheio ao programa das comemorações da República ("Faz-me um pouco de arrepio à pele ver aqueles republicanos façanhudos, com aquelas bigodaças") ; inquieta-se com a falta de rigor na Educação - " O que é preciso é ter uma estatística" - confessa, numa alusão ao "Programa Novas Oportunidades", uma das bandeiras de Sócrates; recorda o seu passado familiar vivido entre a Monarquia e a República; toma partido sobre a recente edição da "História de Portugal", de Rui Ramos, recebida por alguns dos seus pares (Fernando Rosas e Irene Pimentel) com acusações de branqueamento do Estado Novo, em contraponto com críticas à Primeira República. E diz o que o pensa sobre a matéria: "Em História não há objectividade absoluta. A História que eu escrevo é a minha História. O Herculano é o Herculano, não é a Idade Média, não é o passado português. Toda a História é uma História de autor", esclarece.
Na parte final da entrevista, o autor de "Identificação de um País", ou da imprescíndivel "História de Portugal" (oito volumes, uma obra imensa de consulta obrigatória) evita falar de Ratzinger, sobretudo, quando é questionado pelo facto do chefe da igreja de Roma ter adoptado o nome de Bento (fundador da Ordem Beneditina) ao ser eleito Papa e solta-se quando refere a sua integração na sociedade após ter deixado a vida monástica. "Gosto da vida que tenho tido. Nos anos 60, a Joan Baez cantava "Gracias a la vida, que me habla dando tanto". Isso traduz bem a minha atitude perante a vida. Realmente, tive um destino privilegiado em muita coisa".
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