Literatura em Viagem: Memórias e lugares com história


Memórias, mapas, cartografias, identidades, viagens, lugares com história. De tudo isto e muito mais se falou ontem,  último dia do Encontro de Literatura em Viagem que, pela sexto ano consecutivo,  provoca enchentes e navegações à volta dos livros na Biblioteca Florbela Espanca, em Matosinhos. 
"Ter memória ou escrever é resistir",  lembrou o escritor Mário Delgado Aparaín, vindo do Uruguai,  numa intervenção pontuada pela ironia e onde prestou homenagem a João Guimarães Rosa, o maior entre os maiores poetas e ensaístas do Brasil. 
E se "Viajar é descobrir que todo o mundo se equívoca",  coube a Alexandre Quintanilha não só o papel de moderar o debate, como aconselhar a assistência a ler um livrinho, espécie de caderno de bordo para jovens aventureiros das letras: "Para que serve a Literatura?", do francês Antoine Compagnon.  As respostas-síntese foram directas ao coração dos letrados: "A literatura serve para construir uma vida boa"; ajuda a instruir e pode ser um remédio/cura do obscurantismo religioso; corrige os defeitos de linguagem. Por fim, a literatura permite não só caminhar, mas também respirar". Na mesa, outros artífices da palavra tomavam notas. Um deles, José Rentes de Carvalho, autor do fantástico romance "Ernestina" (homenagem à mãe do escritor,  que só após ter obtido reconhecimento na Holanda, com sucessivas edições esgotadas viu a sua obra descoberta em Portugal), falou do seu passado de juventude, as viagens e descobertas pelo Porto dos anos 40, as razões políticas que estiveram na base do seu exílio em cidades tão distintas como Rio de Janeiro, São Paulo, Nova Iorque, Paris e por fim, Holanda, país onde se apaixonou e vive uma boa parte da sua vida. "Mas regresso sempre à minha aldeia, três vezes por ano, mais de 9000 km de automóvel porque não gosto de andar de avião", lembrou, sorridente e feliz por voltar sempre ao lugar onde viveu com os pais e família.
Antes de J. Rentes de Carvalho ter viajado pela memória do Portugal e criticado o atraso estrutural do país de "muitos Mercedes e a viver como antigamente", falou Reif Larsen (EUA) viajante do Oeste americano, realizador de cinema e documentarista para lembrar esta coisa simples: "Os mapas não são o único instrumento para contar histórias", sem antes citar outro escritor de viagens (Joseph Conrad e o mítico "Coração das Trevas"). Como "ler é um acto de navegação", ilustrou a sua comunicação com a exibição de um vídeo, onde apesar do  sofisticado GPS no automóvel, os dois ocupantes perdem o controlo do carro e acabam literalmente a viagem a nadar e com a viatura submersa num rio dos EUA. "Eu quero colocar o leitor com um pé dentro e outro fora do mapa",  disse.
Ao longo dos dias (4 ao todo, das 15 às 19 horas) outros escritores de viagens provenientes de diversas paragens (Chile, Argentina, Brasil, Tunísia, Cuba, entre outros) deram os seus testemunhos, vivências e  episódios. Os portugueses também cá estiveram (João Tordo, José Luís Peixoto, Rui Zink, Teolinda Gersão, valter hugo mãe), mas o  meu olhar fixou-se num jovem escritor angolano, Ondjaki que Pepetela elogiou e neste LEV foi capaz de forma singular suscitar admiração e emocionar  toda a gente com o seu belíssimo e contagiante testemunho. Teve, talvez a maior e mais sentida ovação do LEV. Na volta, já só consegui comprar dois livros na improvisada livraria: "Ondjaki/Os da minha rua";  "E se amanhã o medo".  Como existem mais roteiros e livros de lugares a descobrir, talvez valha a pena lembrar Eduardo Lourenço quando avisa: "Mais importante que o destino é a Viagem".  

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