Vilar de Mouros: 40 anos depois os sons do silêncio


Foi há 40 anos que, Vilar de Mouros, uma pacata aldeia do Alto Minho viu chegar magotes de rapazes e raparigas, mochilas às costas, com tendas e algum dinheiro no bolso para o primeiro festival de música. Não foi a ilha de Wight sonhada por alguns, mas para a maioria foi um acontecimento marcante nas suas vidas, já que, pela primeira vez viram e ouviram alguns dos grupos de música portuguesa (como o Quarteto 1111, de José Cid) e vedetas da época como Elton John e Manfred Mann.  Foi um momento histórico.  Quarenta anos depois e apesar da Imprensa gostar muito de efemérides com números redondos (o Festival de Vilar de Mouros aconteceu entre os dias 7 e 8 de 1971) a data passou completamente despercebida. Nem uma linha, uma décima de segundo nas televisões, ou nas rádios.  Curiosamente, há 40 anos, a RTP também lá não foi e ignorou o festival... Para avivar memórias socorro-me da revista Mundo da Canção (uma preciosidade que guardo religiosamente na minha casa de velharias sem preço) onde o certame foi tema de capa da publicação, com fotos,  reportagem e entrevistas assinadas pelo jornalista Jorge Cordeiro (que mais tarde encontrei na redacção do JN ) e pelo crítico Tito Lívio que, escreveu em várias revistas e jornais como o já desaparecido Diário Popular.  

"Aconteceu Vilar de Mouros. Ao mesmo tempo que se rompia a pacatez e o bucolismo de uma pequena aldeia minhota, rompia-se também a indiferença e o sectarismo que, há muito tempo, certos indivíduos pessoais e colectivos tentavam lançar sobre a pop-music. Vilar de Mouros é hoje um símbolo, uma prova irrefutável. Aconteceu música jovem, de jovens e não só para jovens. Aconteceu uma grande multidão de gente nova e uma enorme vontade de estar", lê-se no Editorial da revista nº 21 do "Mundo da Canção", então dirigida pelo meu amigo Avelino Tavares que, alguns anos mais tarde organizou no Porto o importante Festival Intercéltico. 
Volvidos 40 anos como é bom recordar o Festival, o ambiente sentido e vivido nas duas noites de euforia, os tempos em que era fácil percorrer o país de boleia (foi fácil arranjar um automobilista generoso e deslocar-me desde o Porto até  Caminha) depois percorrer alguns quilómetros até Vilar de Mouros. Esperava-nos o banho santo no rio Coura, as cervejas nas tascas improvisadas para retemperar forças, a montagem da tenda de campismo nos jardins do Dr. António Barge (o organizador desta saudável loucura que teve a amabilidade de abrir a casa a alguns festivaleiros) e por fim,  preparar-me para a noite onde ia ver Elton John actuar.  Os meus olhos arregalaram-se de espanto, mais ainda porque consegui ficar a curta distância do palco. Excêntrico como sempre (faz parte do marketing) vinha de calções vermelhos, camisa azul, botas amarelas, medalhões no peito para dar ainda mais nas vistas. Do piano soltam-se os primeiros acordes: "Friends",  "Your Song", "The King Must Die" e a assistência facilmente adere aos temas entoados pelo rei da pop.  Tudo foi mágico e bonito. Nem desacatos,  nem atropelos à lei e à ordem. A GNR andou por lá, mas o pessoal comportou-se como se fossem anjinhos. Os tempos eram outros.  A droga não tinha chegado e não se ouvia falar de gangs, banditismo e insegurança. Na  mente de muitos só uma frase atravessava o pensamento: "Make Love, Not War".  Como foi bom reviver Vilar de Mouros.

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