Festival para "inglês ver" no Douro


O pomposo "Douro Film Harvest” está de regresso. Será daqui a dias e pela "passerelle" irão surgir caras conhecidas: do lado de cá Ruy de Carvalho e Catarina Wallestein. Do Brasil a comitiva terá outras “celebridades”:  José Wilker e Cacá Diegues, mais a princesa Carlota Joaquina. Por aqui se vê que o sotaque será brasileiro. Será tudo para “inglês ver”. O custo desta mega promoção turística à Região Demarcada do Douro foi estimado em cerca de 450 mil euros, uma bagatela em tempos de crise. Fica-se por saber qual o tipo de  estratégia desta operação de marketing, o projecto (se é que existe tal coisa) e alcance da iniciativa. Os organismos do Douro parecem  rejubilar e voltam a patrocinar a iniciativa. Mas será que estes eventos trazem algum valor acrescentado ao Douro e atraem turistas? E conseguem abrir portas a novos mercados e, sobretudo, ajudam a  promover  de forma consistente uma região com graves problemas estruturais e asfixiada economicamente?
Em 2010,  a organização gastou literalmente uma “pipa de dinheiro” para convidar uma actriz que vive do passado: Sophia Loren.  Já não promove nada nem ninguém. Este ano, querem homenagear a mítica (para alguns) Carmen Miranda. Andou pelo Brasil, mas nasceu no Marco de Canavezes, uma sub-região do Tâmega, terra de vinhos verdes, situada fora dos limites do Douro Património Mundial. Desconhecimento ou não da geografia, o certo é que o Douro admirado por Torga está a viver uma das maiores crises da sua História. Só as multinacionais não param de comprar quintas, montes e vales para a produção de milhares de hectares de vinha.
Perante o cenário de crise (que parece ser endémica) os pequenos e médios vitivinicultores, os homens e as mulheres que trabalham à jorna e ajudaram a moldar aquela paisagem deslumbrante e única no mundo andam preocupados. Foram eles que construíram os sucalcos e os muros, combateram a filoxera e de sol a sol transportavam para os lagares as uvas da vindima ganha à jorna. Bastará consultar alguns livros publicados pelo maior investigador da região duriense, professor Gaspar Martins Pereira, para melhor se compreender as razões históricas e políticas para que ao longo dos séculos e apesar das promessas, o Douro continue adiado e sem um projecto de desenvolvimento harmonioso.
O caricato (ou trágico?) do Festival Douro Film Harvest  não reside só no esbanjamento de dinheiros públicos. Antes coincide com o facto do Douro viver a pior vindima da sua história e com vitivinicultores aflitos. Não só vão perder o direito de produzir cerca de 25 mil pipas de vinho do Porto - cujo rendimento ascende a cerca de 21 milhões de euros -,  como estão sufocados de dívidas. A Casa do Douro continua com enormes problemas financeiros e o Museu do Douro apresenta um défice de 800 mil euros. Actualmente,  apresenta uma exposição sobre o bicentenário do nascimento da Dona Antónia, a Ferreirinha, uma das mulheres que melhor soube impulsionar e desenvolver o Douro. Ironia da história: para manter um museu aberto e dar sequência ao projecto do Museu do Douro -  inicialmente  concebido pelo investigador Gaspar Martins Pereira -  não há dinheiro (o catálogo só lá para o final do ano ficará pronto….) mas para a society passear alguns dias pelo Douro, deliciar-se com provas de vinhos e degustações os meios financeiros foram desbloqueados.  Afinal, a crise do Douro é uma invenção.

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