Pintor da "Ribeira Negra" partiu numa manhã de sol


Foi afável, generoso, solidário até ao fim. Aos 93 anos deixou encostada a paleta de todas as cores no seu ateliê, mais as telas e os pincéis, os quadros de uma vida sempre feita de afectos e amizades. Mestre entre os mestres do mesmo ofício nunca precisou de favores e honrarias para a sua vastísssima obra pictórica ser reconhecida. Lembro-me dele quando ainda jovem tinha o hábito de recortar, aos domingos, a criativa banda desenhada chamada "Matulinho e Matulão", publicada num antigo jornal honroso, "O Primeiro de Janeiro", de boa memória. Foi o meu primeiro contacto como o pintor. Depois, mais tarde, segui-lhe os passos e observei a sua maneira peculiar de estar no mundo, o seu lado afectivo e poético da vida, as suas múltiplas exposições no Porto e um pouco por todo o lado.
Numa manhã límpida e com o sol a entrar pelas vidraças da sua casa/fundação Lugar do Desenho virada para o Douro (em Valbom/Gondomar) pude conversar longamente com o Mestre e escutar os  seus sábios ensinamentos, o prazer da pintura, ouvir falar das viagens a Goa e à Índia, a busca de novas cores, tonalidades, personagens, atmosferas, lugares de memórias e de gente com alma. Hoje, tive a notícia (esperada) que Júlio Resende tinha deixado de pintar. Só guardo boas recordações do homem de cachimbo, sorriso largo e conversa sábia. No país e no estrangeiro, as suas telas estão espalhadas por galerias, coleccionadores, museus. Porém, existe para sempre uma obra que nenhum apreciador de arte ou simples curioso não deixará de admirar: trata-se do célebre painél de azulelos "Ribeira Negra" montado junto ao túnel de acesso à ponte D. Luis I, à Ribeira do Porto que o pintor sabiamente retratou. Apesar de ser uma figura cimeira da pintura contemporânea, a enorme tela pintada em 1984 (com 40 metros de comprimento) esteve fechada durante vários anos num armazém da Câmara Municipal do Porto e só há pouco tempo foi resgatada da poeira e exposta no Museu dos Transportes e Comunicações.  A vida nem sempre foi grata para Resende, mas o Mestre sempre manteve o sorriso aberto e conversa afável até ao final da vida.

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