Cinema Paraíso em Foz Côa


O Douro, cenário real e ficcionado na obra de Oliveira atraiu atenções na primeira edição do Cine Côa. O realizador não veio porque está a filmar em Paris, mas ao longo dos quatro dias de certame -  onde foram exibidos mais de vinte filmes provenientes de diferentes mundos e territórios cinematográficos -  o mais antigo cineasta do mundo em actividade foi alvo de homenagens e lembranças. Entre a sua filmografia foram projectadas  algumas obras emblemáticas da sua vasta carreira como “Vale Abraão” (filmado na região duriense),  “Viagem ao Princípio do Mundo”,  “O Estranho Caso de Angélica” e por fim, na noite de encerramento, o memorável “Douro,  Faina Fluvial”, notável documentário poético filmado em 1931 entre a Ribeira e a Alfândega do Porto.
Festival feito de pontes entre a memória e a contemporaneidade, a organização do Cine Côa programou o visionamento de outros registos fílmicos, espécie de tributo e reconhecimento ao génio criador de alguns autores. Além da projecção dos filmes de Oliveira, a dupla de cineastas António Reis/Margarida Cordeiro esteve em evidência com a exibição de  “Ana” (1984),  “Rosa de Areia” (1989) e o mítico “Trás-os-Montes”, rodado em 1976 na região,  ainda hoje considerado como um dos filmes que melhor soube captar o olhar, o imaginário e a vida  dura das gentes de Trás-os-Montes. É um filme sublime na história do cinema português e europeu. Exige, por isso, atenção e respeito.
 Porém, a organização,  talvez imbuída das melhores intenções e procurar “sensibilizar novos públicos para o cinema”  decidiu convidar alguns jovens alunos de uma escola local e os idosos do Centro de Terceira Idade para uma sessão de  cinema. E o resultado foi um falhanço total. Ainda as primeiras imagens estavam a ser visionadas e já era perceptível o mal-estar dos convidados com ruído à mistura, comentários em voz alta, telemóveis a tocar, perturbando a assistência que queria revisitar o filme. Uns e outros foram saindo à medida que as imagens de rara beleza estética eram projectadas no ecrã deixando atrás de si a sensação de terem entrado na porta errada…
Feito o reparo o Cine Côa teve outros momentos altos na sua programação: citemos, como exemplo, a exibição de “Viagem ao Coração do Douro, a Terra Onde Nasci”, de João Botelho; a homenagem ao pintor Ângelo de Sousa, efectuada através de João Fernandes, director do Museu de Serralves, a projecção de “Maria do Mar”, de Leitão de Barros, um filme mudo de 1931, com música ao vivo do pianista Bernardo Sassetti e com a voz da cantora Filipa Pais que interpretou a canção original de Maria do Mar.  A assistência encheu por completo o auditório municipal e aderiu com entusiasmo ao filme tendo no final  retribuído com palmas. Apesar da  linguagem estética cinematográfica fazer parte dos primórdios do cinema nem por isso esta versão deixou de despertar curiosidade e contagiar o público. Outros destaques na programação: “Tabú”, de Murnau (apresentado por Jacques Fieschi); alguns filmes de Chaplin raramente vistos (como Charlot Dentista, ou Charlot faz de Vedeta”),  pequenos registos inseridos no programa Lumière. Por fim, os filmes “Com os Pés Descalços nas Lesmas”, de Fabienne Bertthaud e “Um Coração no Inverno”,  brilhante registo de Claude Sautet.
Segundo João Trabulo, director artístico do Cine Côa, o festival custou “entre 25 mil a 30 mil euros, ou seja, 20 por cento do que é dado pela Câmara em termos de subsídios anuais a um clube de futebol da terra”.  Para o ano há mais e João Botelho já prometeu voltar aos lugares de infância,  filmar o Alto Douro Vinhateiro, revisitar o Museu do Côa (notável edifício arquitectónico que antecede a viagem ao santuário de gravuras de arte rupestre espalhadas ao longo do rio Côa). Mas será que um punhado de bons filmes projectados num festival pode ajudar ao desenvolvimento de uma região única no Mundo?  A ver vamos. Há mais de 25 anos também aconteceu o I Festival de Poesia (com Natália Correia a ler poemas no salão dos Bombeiros Voluntários de Foz Côa)  e o progresso foi lento de mais para quem vive longe de tudo e de todos.

Comentários