Mia Couto, o poeta emocionou a Escritaria


Uma semana depois de terminar Escritaria ainda é cedo para avaliar o impacto da homenagem a Mia Couto, biólogo e poeta da língua portuguesa, premiado e traduzido em várias parte do Mundo. Será que a sua passagem “contaminou literariamente” os leitores para o melhor conhecimento/estudo da sua poesia e interesse efectivo da sua obra literária?
Independentemente do lado efémero e circunstancial da iniciativa – sempre de aplaudir e inédita num país onde a Cultura praticamente só acontece nos grandes centros urbanos - uma dúvida ficou desfeita: muitos leitores ficaram a saber que num país chamado Moçambique existe um poeta superior da língua portuguesa e que aterrou neste espaço geográfico não só para lembrar os seus antepassados, como para ler textos que atravessam o seu universo poético, os seus escritores e poetas de sempre (Drumond, Guimarães Rosa, Sofia de Melo Breyner Andresen, João Cabral de Melo Neto, Pessoa, Luandino Vieira) e falar de cultura e lusofonia, esse binómio muitas vezes empregue em discursos oficiosos e depois sem aplicação prática no conhecimento e intercâmbio entre os povos de língua oficial portuguesa.
Ficou também outra certeza: durante dois dias viu-se gente feliz em Penafiel e a emoção tomou conta de alguns lugares do Escritaria - que, depois de homenagear Urbano Tavares Rodrigues, Saramago e Agustina - , tem procurado transformar este território numa espécie de festa das artes e das letras do espaço lusófono. Quer tenha sido nas ruas e praças do Centro Histórico, ou no recuperado (e premiado) Museu Municipal de Penafiel muitas pessoas compraram livros no stand de lona branca para o habitual autógrafo para mais tarde recordar, mas também para partilhar saberes e segredos do “poeta que conta histórias”.
Por onde cirandou, Mia Couto soube contagiar quem ouviu as suas palavras sempre ditas num tom suave e sorriso aberto, como se fosse um amigo de longa data a falar dos seus antepassados, das suas raízes históricas e da sua escrita. Foi assim no descerramento da escultura pública cheia de simbolismo ( “A palavra descobre-se, não se inventa” ); ou em pequenas frases que evitam discursos sem sentido (“Homenagear a nossa língua como expressão de comunicação do Mundo, mas também como identidade”) na representação teatral da peça “Caixa Preta”, levada à cena pela Companhia de Teatro Trigo Limpo (com textos de Agualusa e Mia Couto); na conferência final sobre Mia Couto, Vida e Obra, onde vários autores enalteceram o poeta de “Terra Sonâmbula” e “O Último voo do Flamingo”. No final da maratona e depois dos elogios fica um lamento que poderá ser (ou não) considerado pela organização do evento em futuras edições de Escritaria. Refiro-me à sessão inaugural onde, na edição deste ano, apenas tiveram voz os representantes dos países de língua oficial portuguesa sem que, no final das suas intervenções tenha existido praticamente espaço e tempo para o debate entre os convidados e o público. 

Comentários