Histórias da Música








Foi através da palavra e da pedagogia que cheguei ao gosto da música. Nos anos 70, no Teatro Rivoli de boa memória, aos domingos de manhã, o maestro José Atalaya dava a conhecer aos jovens da minha geração a importância de saber ouvir e fruir a música clássica. Recordo,  por exemplo, o concerto (memorável) sobre a 9ª Sinfonia de Beethoven, as explicações sobre o tempo e o modo como a peça foi composta pelo genial compositor, as notas e os compassos, as repetições das cordas e dos trombones,  depois a orquestra, uma vez e outra, sempre com infinita paciência do maestro e músicos. Naqueles tempos, apenas chegavam até nós os famosos concertos da Filarmónica de Nova Iorque, dirigidos por Leonard Bernstein e da Filamónica de Berlim, sob a batuta de Helbert von Karajan.
Porém, foi através dos programas transmitidos pela RTP,  concebidos e realizados pelo maestro António Victorino de Almeida - naquela época adido cultural da Embaixada de Portugal em Viena - que o meu gosto e atenção para a música dita erudita despertou de forma acrescida. Foram programas de autêntico serviço público. Recordo os excelentes documentários exibidos sobre os principais compositores mundiais, sem esquecer as suas vivências, episódios, curiosidades e onde semana após semana, as suas “Histórias da Música” e, mais tarde, “Música e Silêncio” foram dádivas vindas de outra galáxia, autênticas aulas de música para a vida. Há poucos meses, António Victorino d`Almeida voltou à RTP e ofereceu-nos outra série de programas denominados “Memórias de Mim Mesmo”, onde o compositor fazia um flash-back entre as histórias vividas em Viena e as suas próprias histórias pessoais (ficou a saber-se que foi à mesa do café Hawelka, de Viena, que escreveu a 4ª Sinfonia para piano, denominada “sonata cómica”) e ao piano interpretou peças do reportório musical, espécie de paleta de todas as sonoridades e compositores como Strauss, Stranvinsky, Debussy, Beethoven  e tantos outros. Uma vez mais, ficou em evidência as suas enormes capacidades de comunicador e excelente contador de histórias.
Por estes dias, António Victorino d`Almeida voltou a tocar notas de encantamento e a contagiar muita gente interessada através do Curso Livre de História da Música/Saber Ouvir, a decorrer até Junho na  Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia, onde semanalmente (quintas-feiras, das 18,30 às 20 horas) procura desvendar os segredos das obras-primas da música do séc. XX. “Vamos divulgar as obras-primas de todas as épocas musicais, desde a Renascença até à música contemporânea, passando pelo período Barroco, Clássico, Romântico. Depois de Ravel, segue-se Bruckner, Debussy, Mahler, Mozart, Chopin, Beethoven e muitos outros”, revelou Miguel Leite, divulgador musical, autor do programa Caleidoscópio da Antena 2.
“Sempre considerei que existe uma diferença fundamental entre conhecer música por dentro como praticante e por fora como ouvinte”, disse, a propósito, António Victorino d´Almeida. O maestro e compositor que em 1971 esteve na abertura do I Festival de Música de Vilar de Mouros terminou o curso superior de  piano do Conservatório Nacional de Lisboa com 19 valores e em Viena, obteve o diploma de Composição com a mais alta classificação da Escola Superior de Música daquela cidade. Depois, gravou a integral das 19 Valsas de Chopin (tendo recebido elogios de Alfred Brendel) e realizou inúmeros concertos pela Europa com vários intérpretes. É considerado um dos compositores portugueses com mais obra produzida.  Fez cinema, escreveu vários livros e há dias, acabou de rodar no Alto Minho a nova longa-metragem “O Tempo e as Bruxas”. O último número da revista Glosas (revista semestral dedicada à divulgação do património musical português, lançada no passado domingo no Porto) incluiu uma longa entrevista com o compositor, maestro, escritor e realizador de cinema. “Está sempre a fazer coisas. Não pára”, concluiu a pianista Olga Prats.

Março de a realidade vai mudar.

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