Memórias das tascas portuenses




Saberá o leitor pouco habituado a frequentar as tascas ou tabernas da cidade o significado de expressões como “encostar a barriga ao balcão”, “ramadolas”, “o catraio de 5 litros” ou o négos” ? E onde fica a Adega “O Quim Bigodes”, a Casa Correia, conhecida pelas excelentes tripas à moda do Porto, o Presuntinho, a Adega “O Papagaio”, ou A Badalhoca? Estas e muitas outras curiosidades acabam de ser desvendadas no livro intitulado As Tascas do Porto, de autoria de Raul Simões Pinto que, durante alguns anos investigou, andou literalmente de tasca em tasca a recolher histórias e conversou com muitos dos seus frequentadores. O resultado é surpreendente e abre o apetite para o conhecimento mais aproximado deste tipo de casas de petiscos à moda do Porto que, em muitos casos, vão sobrevivendo devido à existência de fortes laços de entreajuda familiar e cujos donos têm conseguido estabelecer uma relação de confiança e amizade com os clientes.
Além de desvendar segredos e episódios deste tipo de casas localizadas nas freguesias da cidade  (e nomes pitorescos de tascas que em nenhuma parte do Mundo existem como o “Enterra- Paixões”, a “Mamas Gordas”, ou o “Quim Violas”) o livro procura chamar a atenção para a sua importância patrimonial e recorda com nostalgia os ambientes, o estatuto social/económico de muitos dos seus frequentadores e memórias de um passado não muito distante. Num tempo de padronização de gostos, modas e estilos, as tascas ainda conservam sabores e atmosferas únicas numa cidade cada vez mais desertificada e cujo conceito de defesa e valorização do património arquitectónico muitas vezes é esquecido e desprezado.
Existe uma razão acrescida para o potencial leitor gostar deste livro. Além do roteiro das tascas descrito com especial detalhe e que ainda resistem à crise (económica, mas também social e de mentalidades) convém recordar um dado pouco conhecido: a tasca do bairro também serviu como ponto de encontro e tertúlia, organização do passeio excursionista, mealheiro para acudir “situações de aperto”. Ao contrário de alguns que, apressadamente rotulam as tascas como sendo “lugares de bebedeira”- embora Camilo tenha lembrado que “as bebedeiras são às vezes os purgantes da alma” - convém enfatizar que a solidariedade também foi servida à mesa. As tascas não são lugares de perdição, antes, testemunho de uma época que importa preservar  e manter, acautelando sempre a sua autenticidade, identidade  e carácter.
A obra agora dada à estampa possui uma linguagem simples, como simples e modestos são as tascas.  Está subdividida através de vários percursos e freguesias da cidade, faz história e conta histórias, na sua maioria  de gente humilde e fornece episódios de um tempo marcado por fortes injustiças sociais, fome e miséria. Lembro, a propósito, que na década de 50 e 60 do século XX ter um aparelho de televisão em casa era um luxo, a cidade estava cercada de ilhas insalubres e o futebol, sempre o futebol, escutado através da telefonia eram momentos de lazer vividos com particular fervor e paixão clubística.
O  livro de Raul Simões Pinto (com fotos de Gabriela Felício) foi editado pela Afrontamento Editores e constituiu uma porta aberta para o conhecimento destes espaços únicos da urbe portuense. Como acontece em diferentes capitais europeias como, por exemplo, em Madrid, cujas bodegas são frequentadas por milhões de turistas de todo o mundo, também pelo burgo portuense as entidades vocacionadas para o turismo podiam criar iniciativas tendentes a preservar estes locais com histórias e memórias da cidade. E porque não a criação de uma Rota das Tascas do Porto como ponto de partida para o conhecimento da cidade?

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