As tripas da adega Correia


A cozinheira Filomena Conceição, da Adega Correia, à Cordoaria, recebeu há dias no Porto Palácio Hotel, um dos prémios Infante D. Henrique atribuídos pela Confraria Gastronómica das Tripas à Moda do Porto. “Foi uma surpresa muito grande”, disse ao receber o galardão devido à confecção das famosas tripas à moda do Porto. “O prémio representa muito para mim. É bom saber que alguém se lembrou do meu trabalho. Foi uma honra muito grande”, contou, orgulhosa e feliz pela troféu conquistado. “Fiquei muito emocionada”, disse na mesa onde dividiu a distinção com o marido, o senhor Correia, amigos do casal e outros comensais, sem antes, prometer “colocar as fotos do prémio nas paredes da adega para toda a gente apreciar”.  A “dona Filomena”, como os clientes habitualmente a tratam, não foi a única a suscitar aplausos entre as duas centenas de confrades, gente de bom garfo e apreciadora da arte de bem comer. O engenheiro Francisco de Almeida e Sousa, 91 anos, presidente do Lar de Nossa Senhora do Livramento, dois séculos de história e solidariedade em prol das crianças mais desfavorecidas do Porto foi outra das personalidades escolhidas para receber a distinção. “Só nos últimos 40 anos, estiveram ao cuidado da nossa instituição cerca de  600  menores em risco”,  recordou o homenageado, cuja percurso e história de vida estão indelevelmente marcados pela defesa da cidade, seus valores e causas. Outros nomes distinguidos pela Confraria: Nuno Ferrand de Almeida, Adão da Fonseca, Paulo Soares da Silva e Jorge Prendas, fundador das Vozes da Rádio e animador da Casa da Música.

Numa cerimónia simbolicamente marcada pelos feitos do Infante D. Henrique (patrono da Confraria) sua história e universalidade, coube ao escritor Hélder Pacheco explicar as razões que estiveram na génese da atribuição dos prémios. “Não sei se esta cerimónia constitui uma celebração ou uma consagração. Talvez ambas. Por um lado, a celebração da cidade na coerência da sua cultura, criatividade, capacidade inovadora e actividade empreendedora ao serviço do bem comum. Celebração do Porto na sua integridade de espaço de referências, das quais o apelo à Liberdade e ao trabalho eram (e acredito que continuem a ser) imagens de marca. Por outro lado, a consagração de talento, carreiras, vidas dedicadas a causas solidárias na prossecução do progresso social”. Classificando a cidade como “viva, altiva e orgulhosa de sie onde a maior dificuldade é a da escolha”, o historiador portuense considerou que agora, “num tempo de incertezas e em dias de angústias e renúncias é então a altura de festejarmos o mérito com olhos postos num porvir que, justificando o sacrifício não traia a esperança. Que a festa comece”.

O chef Hélio Loureiro, fundador da Confraria criada no decorrer do Porto 2001/Capital Europeia da Cultura,  classificou o prémio Infante D. Henrique como “um estímulo” a quem devotadamente serve a cidade. “Há alguns atrás, decidiu-se prestar homenagem ao trabalho desenvolvido pelos Albergues Nocturnos do Porto, uma instituição com cerca de 120 anos de história. Nunca tinha sido reconhecido o seu trabalho publicamente e colocado especial ênfase na sua acção. Devemos estar atentos à cidade, aos seus valores e sobretudo, às pessoas”,  sublinhou, sem que, antes tenha recordado um facto importante: “Toda a história à volta das tripas é um exemplo de partilha do povo do Porto no momento em que a Pátria mais necessita. Por isso, ontem como hoje,  devemos estar atentos a estes sinais de forma que os premiados partilhem o seu saber e conhecimento em prol do Porto”, concluiu.

O resto da outra história já é conhecida e vem em todos os roteiros.  Quando da partida para Ceuta, em 1415, o Infante D. Henrique precisou de abastecer a armada para a expedição e solicitou ao povo do Porto que ajudasse com mantimentos as naus e suas tripulações. A generosidade das gentes da Invicta ficou patente com a entrega de carnes salgadas para a longa e arriscada viagem, tendo os portuenses ficado com as miudezas, as famosas tripas à moda do Porto e que alguns séculos depois, só algumas mãos sábias as conseguem  cozinhar divinamente.

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