"Fazer um violino é um acto de amor"


Já perdeu a conta ao número de instrumentos saídos das suas mãos. Aprendeu o ofício com o pai, Domingos Capela, e orgulha-se de ter produzido sons para músicos do mundo inteiro. Entre os quais o famoso violoncelo de Rostropovitch, o maestro dissidente soviético que, em Novembro de 1989, comoveu o mundo ao tocar Bach junto ao muro de Berlim. Há dias, ao JN, António Capela, "luthier", 75 anos, abriu a sua partitura feita de afectos "Fazer um violino é um acto de amor".
Ultrapassando o portão de acesso à oficina, situada na freguesia de Anta, Espinho, entra-se num outro mundo feito de saberes e segredos. Ouve-se Mozart na rádio [Antena 2] e as palavras têm outra escala "Quando começo a construir um violino, a minha relação e entrega com a sua feitura é total. Existe grande concentração. Só em silêncio consigo trabalhar", diz.
Ofício feito de memórias, António Capela não esqueceu a sua envolvência pela arte dos sons "Tinha sete anos quando o meu pai [Domingos Capela] veio para aqui. Foi em 1939 e recordo-me de asssitir à construção dos violinos, à colocação das cordas e do verniz. Foi o princípio desta paixão. Nos anos 30, 40, Espinho era uma cidade muito musical e frequentada por várias orquestras mundiais. Foi aqui que Pablo Casals conheceu a grande violoncelista Guilhermina Suggia", lembrou.

Valor guardado

Outros encontros povoam, agora, a oficina, espécie de museu e repositório de recordações. Nas paredes, há cartazes alusivos a participações mundiais em concursos de construtores (na China e no Japão), no armário envidraçado, "guardam-se religiosamente" uma série de violinos antigos de incalculável valor artístico e patrimonial, uma viola da gamba, um violino oferecido pelo pai Domingos ao filho. Num dos cantos da sala, saltam à vista duas enormes fotos de Mstislav Rostropovitch, o músico de cabeleira branca que actuou várias vezes em Portugal, uma das quais, em 1982, no Festival de Música da Póvoa de Varzim.
A vinda a Portugal aconteceu depois do músico ter abandonado a ex-URSS e ter levado a sua arte ao mundo inteiro. "Sempre tive por Rostropovitch uma grande admiração e respeito. Por isso, quando fui ter com ele ao hotel, a emoção tomou conta do encontro. Recordo-me muito bem: estava um dia de grande calor e fui a conduzir o carro até Espinho. A meio das conversa encomendou-me um violoncelo. Foi uma honra. Não sei quanto custou, mas o seguro avaliou o instrumento em dois milhões de dólares".
O filho, Joaquim António Capela, também ele laureado em concursos internacionais, ouve a conversa enquanto conserta um arco de violino. O telefone tocou e a conversa prosseguiu com outro toque e registo: "Temos sempre muito serviço. Neste momento, ocupo-me da construção de um violino para o Japão. Um instrumento dá sempre muito trabalho a executar. Em média, demorámos cerca de três meses a concluir a obra", garantiu.
Artesãos de renome internacional (António Capela partia para a cidade de Moscovo, onde participa no Concurso Internacional Tchaikovsky) e por isso, os dois artífices não têm mãos a medir para satisfazer as encomendas nos prazos acordados: "Temos clientes do mundo inteiro", dizem a uma só voz.

Um milhão de euros

Como na construção de violinos também existem "substâncias diferenças" que importa conhecer - "não faz violinos quem quer, mas quem sabe e tem sensiblidade para a sua excução" -, os construtores alertam para as imitações e os falsos Stradivarius espalhados pelo mundo. "Existem muitos instrumentos coma etiqueta Stradivarius feitos em fábrica e com materiais de duvidosa qualidade. Sabia que um verdadeiro Stradivarius pode custar um milhão de euros"? perguntou Joaquim Capela.
Na sala existem, agora, sorrisos pela revelação feita: "Há muito gente a comprar etiquetas. O segredo de um bom violino está na qualidade das madeiras [dos Alpes e dos Balcães] e na sua concepção. Este saber exige uma técnica especial e conhecimentos feitos de anos", concluem. Os segredos ficam para depois.
 


(Reportagem publicada no JN em 4.6.2007)

Comentários