Arco: Franco, negócios e polémicas






No dia de abertura da Arco, em Madrid, o El País optou por colocar uma foto colorida a meio da primeira página de Franco vestido de militar dentro de uma arca frigorífica. Por cima da imagem do ditador, o símbolo visual da Coca-Cola. O título da escultura não enganava ninguém: “Always Franco” e tinha a assinatura de Eugenio Merino, sempre polémico e criativo, “habitué” da feira de arte contemporânea de Madrid, autor de “Still Staying Alive” que, há dois anos, escandalizou meio mundo com o sinistro Bin Laden travestido de John Travolta em “Saturday night fever”.  Na edição de 2012,  Merino não se fez rogado e voltou a provocar reacções em cadeia, conversas sobre a arte contemporânea e a política trazendo ao certame uma figura igualmente sinistra de Espanha. O resultado foi atingido: atraiu atenções de milhares de visitantes (muitos não resistiram a tirar a digital da sacola) e os media  ampliaram o efeito surpresa. Como a arte é um negócio de milhões não custa a crer que a peça tenha sido vendida por 30 mil euros conforme anunciou o galerista. “Para um artista, esta imagem [de Franco] permanece em nossas cabeças”, disse, em entrevista ao El País, o conhecido escultor espanhol.  Como os seguidores de Franco estão atentos e vigilantes, a Fundação Francisco Franco já anunciou a  intenção de processar o artista por considerar “uma ofensa à memória” do ditador.
“Fait-divers” artístico e político à parte, o certame acabou por ser uma festa da arte mundial e, mesmo em tempo de crise, com cortes orçamentais e dificuldades económicas conhecidas, a direcção da Arco 2012, presidida por Carlos Urroz conseguiu trazer a Madrid  215 galerias, 3000 artistas, 29 países, entre as quais, a Holanda (país convidado) promovendo e divulgando não só peças para  todos os gostos e preços (uma obra de Tàpies, recentemente falecido, podia custar 700 mil euros) como juntou num espaço único milhares de visitantes, curadores,  coleccionadores,  homens de negócios, americanos, chineses e brasileiros ávidos de investimentos e boas compras na pintura e escultura. “ A Arco é uma das mais importantes feiras de arte do Mundo e apesar dos enormes custos que acarreta, a nossa galeria está sempre representada em Espanha.  Há 15 anos que promovemos a divulgação dos artistas e a arte contemporânea. A Arco é uma boa oportunidade de negócios”, diz Manuel Ulisses, da Quadrado Azul, do Porto, cujo stand exibe obras de António Bolota, Artur Barrio, Carlos Amaral, Francisco Topa, João  Queiroz e Paulo Nozolino, entre outros. O mesmo sentimento de confiança foi referido pelo jovem galerista Nuno Centeno. “Mesmo em tempo de crise e com falta de dinheiro para a arte, procuramos resistir, mostrar os novos artistas e as suas obras. Temos de ser optimistas”, referiu.
Não muito longe desta galeria existem mais trabalhos de artistas portugueses, muitos deles, radicados no estrangeiro: peças escultóricas de Leonor Antunes (cuja obra já foi apresentada no Museu Rainha Sofia e em Serralves);  fotos de Helena Almeida (em 2005 esteve na Bienal de Veneza),  esculturas de Rui Chafes e José Pedro Croft, pinturas de João Pedro Vale. No labirinto da Arco, com stands colados uns aos outros, galerias de quase todo o mundo, instalações, perfomances, vídeos, quadros produzidos pelos mais variados materiais e texturas, uma obra única do pintor Santiago Ydanez deu nas vistas pelo seu comprimento e simbologia. Intitula-se “Diabos de Vinhais” e a tela carregada de tons vermelhos faz alusão aos tradicionais caretos que, por alturas do Carnaval, povoam a memória das gentes de Trás-os-Montes.  “O quadro é como se fosse uma fotografia. É muito simbólico  e traduz um ritual antigo entre o sagrado e o profano”, conta o jovem artista que, já expôs pinturas no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança e na galeria Fernando Santos, no Porto.
Existe mil e uma propostas para admirar, muita pintura da América Latina com o Brasil a atrair atenções ao potencial comprador, nomeadamente através da artista  Lygia Pape (em 2000 esteve presente em Serralves e está representada em Portugal pela galeria Graça Brandão), mas também de Buenos Aires, Chile, Perú, das principais galerias dos EUA, Londres, Alemanha, França, Países Baixos e muito mais. E revistas, centenas de publicações culturais ligadas às diferentes expressões artísticas, pintura, arquitectura, fotografia, desenho, música e ópera. É uma outra viagem ao mundo da feira de arte. Mas quantas viagens serão necessárias para admirar o que de mais importante acontece na Arco?

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