Génova: cidade aberta à modernidade



 
Quem chega à gare de comboio de Porta Príncipe,  no centro de Génova e entra pela primeira vez na urbe, poderá ficar atordoado com tanto movimento, trânsito intenso nas horas de ponta, longas avenidas, palácios, igrejas de estilo barroco, edifícios com pátios dentro adaptados a universidades e museus, estabelecimentos de comércio tradicionais e lojas “gourmet”, diversas instituições bancárias e financeiras internacionais.
Capital Europeia da Cultura em 2004,  Génova elegeu Colombo como seu herói principal. A simbologia está em todo o lado. O aeroporto chama-se Cristóvão Colombo e junto à estação de caminho-de-ferro, na Piazza Acquaverde,  lá está a imponente estátua do famoso genovês descobridor das ilhas das Caraíbas, nas Antilhas e, mais tarde, o golfo do México. De Colombo levei na bagagem alguns escritos, textos de historiadores e na memória um lúcido filme de Manoel de Oliveira, “Cristóvão Colombo, o Enigma”, realizado em 2007, espécie de roteiro sobre a vida e obra do genovês, mais a epopeia marítima levada a cabo pelo navegador sob as ordens dos reis de Espanha em 1492, as polémicas sobre a sua nacionalidade.
Palco e residência oficial dos reis de Itália de Sabóia, Génova tem várias faces: lá do alto, vê-se uma enorme cidade aberta ao mar, prédios altos e ruas estreitas à mistura com avenidas luxuosas, como a Via Garibaldi, local de excelência e símbolo de representação da grande burguesia local, mais o Palazzo Bianco, com obras de artistas genoveses, a Lanterna de Génova, ex-libris da urbe classificada pela Unesco, como Património Mundial da Humanidade, mais a riquíssima catedral. O comércio é intenso e a crise, aparentemente, não se faz sentir. Os cafés e esplanadas estão cheias, as compras transformam-se numa festa.
Quando a cidade é vista de perto e percorrida a pé observa-se bom planeamento urbanístico, sem as habituais catedrais de consumo típicas das socieadades em vias de desenvolvimento e à mercê dos grandes grupos económicos. O comércio tradicional não foi asfixiado e funciona. Um exemplo:  os genoveses não deixaram de frequentar o mercado local - localizado a pouca distância do edifício da Bolsa de Génova e da Ópera Carlo Felici -, onde é possível comprar hortaliças, legumes e frutas, produtos frescos, queijos e uma variedade enorme de vinhos de várias regiões vitivinícolas de Itália. A dois passos deste quarteirão de prédios com gente dentro, fica a Via S. Vincenzo,  uma das mais concorridas do coração de Génova, com lojas de roupa de marca, relógios e objectos para o lar, casas de chã, cafés, restaurantes. Está tudo aberto de manhã à noite sem intervalo para o almoço.
Em termos culturais a dificuldade está na escolha. Além da obrigatória viagem à casa onde terá vivido Cristóvão Colombo (em Savona, cerca de 15 quilómetros de Génova) impõem-se visitar o Farol de Génova (tem tanta importância para Génova como a Torre dos Clérigos para o Porto);  uma parte da igreja gótica de Santo Agostinho, bombardeada no decorrer da II Guerra Mundial e o mosteiro, entretanto, reconstruído para acolher o Museu de Arquitectura e Escultura da Ligúria; a Galeria de Arte Moderna, o Palácio Real (séc. XVII) onde entre outras pinturas o visitante poderá apreciar a “Crucificação”, de Van Dick e imperdível, uma visita demorada ao Palácio Ducale, onde até 15 de Abril está patente uma importante e bem documentada exposição de dois artistas fundamentais da arte mundial: Van Gogh e Gauguin.
Com Génova a exibir bom gosto, sobriedade e respeito pelo seu legado arquitectónico e patrimonial já só apetece voltar e fruir uma cidade marítima, porto de abrigo de marinheiros e mareantes, matizada e cheia de contrastes, “impossível de classificar”, na opinião de Gonçalo Cadilhe.  Mais uma razão para reler um precioso livro escrito em finais dos anos 50, pelo poeta Daniel Filipe, intitulado “Discurso sobre a Cidade” e meditar na sua bela frase: “São múltiplas as faces de uma cidade. Matinal ou nocturna, para a conhecer é indispensável descobrir todos os seus disfarces. Quem dela se abeira em busca do rosto único e imutável, busca a simplicidade, que é engano, a evidência no que é íntimo, misterioso, oculto. Diversa e contraditória aos olhos que a percorrem com amor, nisso reside a sua maior grandeza e a sua força”.
Quer seja no Porto ou em Génova o turista apressado não vê nada. Só com tempo e atento aos pequenos pormenores será possível sentir algo sobre a urbe e as suas gentes.


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