Milão: pintura, moda e Verdi no Scala




O guia American Express refere a cidade conquistada aos romanos como um “local de acolhimento e de inspiração”.  Talvez seja verdade. Milão é uma cidade grandiosa, cheia de cor, frenética, com mulheres bonitas a passear nas ruas, mil e uma coisas a acontecer simultaneamente, imenso património para fruir e conhecer, igrejas, mosteiros, palácios, catedrais, sim, claro a gótica e ponteaguda Duomo,  uma das maiores do mundo, 157 metros de comprimento e 92 de largura, portas de bronze com baixos relevos sobre a Virgem e a vida de Sant`Ambrogio, o padroeiro de Milão, tesouros de ouro e prata, naves iluminadas por vitrais únicos. Por perto da catedral sempre apinhada de turistas, fica a  Academia de Belas-Artes, instalada no imponente Palácio di Brera, enormes escadarias, muitas colecções de arte, pinturas do Renascimento e do Barroco italiano, com Bellini, Rafael, Tintoretto e Caravaggio a merecer pausa demorada. Porém, o viajante não poderá sair das enormes galerias do palácio sem observar “O Beijo”, de Francesco Hayez, o retábulo pintado em 1504, “Casamento da Virgem”, de Rafael Sanzio, ou o esplendoroso políptico “Madonna della Candeletta”, de Carlo Crivelli.
Como o tempo é curto e a vontade de conhecer é enorme, nada melhor que apanhar o eléctrico e seguir directamente para a Piazza Sant´Ambrogio, local onde em meados do séc. X foi construída uma basílica  de portal medieval, com relíquias de ouro e prata, tapeçarias e pinturas religiosas. Na cripta, lá está o túmulo do santo padroeiro de Milão. No mesmo perímetro urbano, fica San Lorenzo Maggiore, o famoso convento renascentista do séc. XV onde, todos os dias milhares de turistas esperam a sua vez de observar o famoso fresco, “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci.  Segundo vários especialistas, a imagem está inacabada, já que Leonardo “não se considerou digno de a completar”, mas a visita tornou-se uma das referências da arte e da civilização ocidental. Uma nota: as fotos estão completamente proibidas e o tempo de duração da visita é curto: ao fim de 10 preciosos minutos as vigilantes ordenam a retirada dos turistas. Na loja, um mundo de publicações de Leonardo, reproduções do famoso fresco, postais, marcadores de livros e tudo o mais esperam o potencial comprador.
De regresso ao centro de Milão, uma pausa no Museu de Arte Antiga do Castelo Sforzesco.  Lá dentro, imponentes obras em pedra de escultura medieval e do Renascimento, com La Pietà Rondanini, de Michelangelo, a merecer honras de visita, mais obras de artes decorativas, testemunhos de vários períodos e estilos. Nos jardins da entrada principal ao museu, uma famosa casa de alta costura italiana montou uma estrutura coberta de lona  branca para a apresentação das suas colecções. Existe um fila enorme de convidados, seguranças, mulheres elegantíssimas a chegar em carros topo de gama. No interior do salão, na “passerelle”, sucediam-se os desfiles, os manequins de roupa desenhada por estilistas, olhares, palmas. Cá fora a agitação era outra: fotógrafos em correria para captar os sorrisos encenados das modelos, costureiros, eles e elas exibindo o lustroso convite de entrada. A moda e o glamour de mão dada, feito de cumplicidades entre fotógrafos e modelos. Eles precisam de vender a foto à agência para ganhar dinheiro; elas adoram aparecer nas capas de revista. O mercado e a publicidade fazem o resto. Uma festa dentro dos jardins do museu. Nem foi preciso dar um pulo à Via Montenapoleone (uma das quatro ruas do famoso Quadrilatero) para ver as montras e as últimas tendências da moda.
Como o efémero ficou para trás, nada melhor que seguir em frente e pedir o ticket (gratuito) na Galeria de Itália, situada na Piazza Scala e visualizar mais pintura de Umberto Boccioni, Boldini e Tavernier), admirar Klimt, na Spazio Oberdam (até 6 de Maio, na Viale Vittorio Veneto) e depois, fazer uma pausa para o café no bonito Piccolo Teatro de Milão (por estes dias,  representa-se “Blackbird”, de David Harrower).  Como a tarde é longa nesta primavera cheia de sol, aceitemos a sugestão de entrar em algumas livrarias de Milão e verificar como em Portugal os preços dos livros e dos CD´s estão escandalosamente elevados. (Em tempo: há dias, Miguel Esteves Cardoso, na sua crónica diária publicada no jornal Público, chamava “Ladrões” à Fnac. É bem capaz de ter carradas de razão).
Após percorrer mais algumas praças e longas avenidas (sim, claro, a galeria Vittorio Emanuele II, a dois passos da Duomo) o dia da curta viagem a Milão ficou marcado por uma entrada no Teatro Alla Scala. Percebe-se a alegria e a ansiedade: durante anos e anos, apenas pude assistir pela televisão ou escutar através da telefonia às transmissões de várias récitas do Scala, óperas de compositores célebres, produções com guarda-roupa e cenários cada vez mais sumptuosos. Mas nunca dentro do grandioso edifício (todos os adjectivos são poucos para catalogar o Scala) e percorrido os seus salões, a sua imponente sala de espectáculos. Pois bem:  quis a sorte e o destino que tivesse a oportunidade de assistir no mais belo teatro lírico da Europa à representação da ópera “Aida”, de Verdi, sob libreto de Antonio Grislanzoni e direcção de Omer Meir Wellber, dividida em quatro actos, quatro horas de récita, uma encenação empolgante e criativa, com coreografia de Vladimir Vasiliev e cereja no bolo, no papel de Aida, a conhecida Liudmyla Monastyrska, solista da Ópera Nacional da Ucrânia e presença habitual no Convent Garden, de Londres.
O selecto público há muito que tinha esgotado por completo a magnífica sala de concertos, cuja acção foi seguida não só no palco e através da visualização electrónica dos diálogos colocados na cadeiras dos espectadores. Mesmo lá de longe, no alto da galeria do centenário teatro cheio de candelabros, lustres e cadeiras forradas a vermelho, a extraordinária  representação cénica da obra de Verdi valeu todo o dinheiro do mundo. No final, um amigo brasileiro dizia-me: “já posso morrer feliz”. Não direi tanto, mas a alma fica mais reconfortada após uma récita no Scala. 



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