O Tempo e as Bruxas




António Victorino d`Almeida é mestre de vários ofícios: maestro, compositor, realizador de programas televisivos - quem não se lembra dos fabulosos programas produzidos e realizados em Viena, para a RTP, nas décadas de 70 e 80 do século XX - argumentista, cineasta.  Há alguns meses acabou de rodar, no Alto Minho, "O Tempo e as Bruxas", seguido do sub-título "Farsa Absurda" e, há dias, o maestro e cineasta apresentou o filme na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia.
Antes do visionamento, o compositor falou sobre a obra cinematográfica, o modo como efectuou o “casting”, a maior parte dos quais seleccionados entre os alunos de um curso de História da Música/Saber Ouvir realizado na Invicta, o script, a maneira como conseguiu filmar com poucos recursos.
Um milagre em tempo de crise? António Victorino d`Almeida explica: “O filme foi feito a custo zero. Não é para incentivar a fazer trabalhos sem o devido pagamento, mas pode-se fazer muitas coisas sem muitos milhões. Também aqui tudo foi levado ao absurdo”, confessou. Com actores amadores, logo “sem vícios”, o cineasta considerou o resultado final “surpreendente” e explicou as razões: “Ter trabalhado com pessoas que nunca fizeram nada no domínio do cinema foi fantástico. É como estivesse a trabalhar em material moldável. Foi uma experiência única. Tal facto empresta ao filme uma frescura notável”, diz.
O que representa este filme "O Tempo e as Bruxas", rodado por entre paisagens e o bonito casario de Vila Nova de Cerveira? Antes de mais, uma homenagem a dois escritores fundamentais da literatura mundial – Eugénio Ionesco e Samuel Beckett, Nobel da Literatura em 1969  -, ambos conhecidos no mundo como expoentes do chamado teatro do absurdo, onde o ridículo de algumas situações sem importância aparentemente nenhuma pode dar lugar ao insólito, ao inusitado e à comicidade. Quando alguém cita Beckett uma frase traduz muito da sua maneira singular de fazer literatura e teatro: “Para um texto burlesco, uma interpretação dramática; para um texto dramático, uma interpretação burlesca”.
Tendo como pano de fundo uma série de enigmas dificilmente descodificados - e cujo interesse também ninguém está interessado em perceber-  António Victorino d`Almeida partiu para o terreno e conhecedor das inúmeras fábulas (ou fantasias?) contadas num espaço geográfico concreto e vivencial (Alto Minho) escreveu um argumento com bruxas e bruxarias dentro, situações embaraçosas pontuadas pela ironia.
Um caso: Oliveira dos Santos é nome de uma pessoa concreta ou, antes,  do cão do dono como faz questão de dizer Carolina, mulher de Oliveira dos Santos?. E o relógio sempre desfasado do tempo e leit-motiv da acção narrativa quer apenas provocar cenas hilariantes, como a refeição do casal fora de horas no restaurante,  supostamente para almoçar, quando os cozinheiros já preparam o jantar, ou quer simbolizar apenas e só que aquela gente vive fora do tempo? E que dizer da cena caricata do cemitério –“nós devemos rezar pelos vivos enquanto estão vivos” – onde duas protagonistas em vez da saída pelo portão de ferro optam por colocar uma cadeira e descer o muro através de uma cadeira, para não aludir à frase surreal repetida até à exaustão por uma mulher que o “marido desapareceu durante o velório”?
Existem mais cenas cómicas, burlescas, sem nexo de casualidade e efeito. Chegados aqui pergunta-se: o filme tem história, uma mensagem por mais suave que seja? “O filme não tem história. É a história de uma terra sem história”, esclareceu António Victorino d`Almeida.
Para memória futura:  o filme contou com as participações de Olga Prats, Miguel Leite, Joana Niza Braga, Dinis Ribeiro, Sara Vaz, Maria de Deus, Aurelino Costa, entre outros. Um dia destes, espera-se, O Tempo e as Bruxas será distribuído e estará nos cinemas. Como se disse, "O Tempo e as Bruxas" foi rodado em condições sui generis, com meios  escassos, actores amadores e orçamento a "custo zero". Toda a gente - incluíndo realizador e equipa técnica - trabalhou por amor ao cinema.  Não será uma obra-prima do Cinema, mas ficará com toda a certeza como uma singular experiência cinematográfica e homenagem a dois vultos da literatura do século XX.






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