"Em Órbita": memórias de um programa de rádio



O programa de rádio “Em Órbita” faz hoje 47 anos que deu início às suas emissões. Deixou de estar literalmente em órbita há 11 anos. Parece que foi ontem. As últimas emissões foram em 2001, na RDP/Antena 2, mas antes, muito antes, nos gloriosos tempos das telefonias foi o meu programa de eleição. Umas vezes em sintonia no antigo Rádio Clube Português, de boa memória, depois na Comercial e mais tarde, na RDP. Todos os dias, na casa dos meus pais, por lá ficava a ouvir, radiante, os concertos de música clássica, com particular destaque para o período barroco, cujo autor do programa, arquitecto Jorge Gil, sempre teve como preocupação a concepção de um programa de rádio orientado pelo bom gosto estético e musical, um naipe suficientemente alargado de autores, estilos, épocas e contextos históricos. "Em Órbita” foi imperdível na minha juventude e fundamental na formação do gosto e saber ouvir com critério. Por isso, a minha agenda diária tinha uma paragem obrigatória diante do velho Telefunken para escutar o programa que, ao longo dos anos, atravessou diferentes estilos de música. Porém, aqueles que guardo com mais entusiasmo na minha memória foram os excelentes programas de música clássica e em especial, as transmissões dedicadas ao período barroco.
Lembro-me da voz colocada e dicção perfeita de Cândido Mota e mais tarde, João David Nunes, a apresentar pequenos  textos que seviam de introdução aos concertos e gravações dos mais afamados agrupamentos musicais da Europa. Foram os ensinamentos deste programa de rádio que, em parte, contribuíram para a descoberta de composições, sons, peças de autores fundamentais da história musical do séc. XX. Recordo com particular emoção a audição, pela primeira vez, da Orquestra Barroca de Amesterdão, dirigida pelo maestro e compositor Ton Koopman que, alguns anos depois, presenciei em diferentes concertos – o último dos quais, há dois anos, num memorável recital de órgão realizado na Sé Catedral do Porto e deliciar-me com as excelentes gravações de concertos dedicados a Bach e Handel.
Por essa época, anos 80, escutei mais música de autores fundamentais  para a compressão da música barroca europeia, nomeadamente, o grupo Música Antiqua, de Colónia e Jordi Savall, cujas composições reveladas pelo “Em Órbita” contribuíram decisivamente para acompanhar o extraordinário trabalho de pesquisa do compositor catalão e sua carreira artística. Foi graças a Savall que o público português conheceu centenas de obras esquecidas da Idade Média e do século XIX, escutou sons únicos provenientes dos agrupamentos Hespèrion XX, Hèsperion XXI e Lá Capella Reial de Catalunnya.
Muitos anos depois, retenho aqueles dias mágicos da rádio feitos com inteligência, saber, no tempo certo, sem palavras a mais, sem ruído de fundo. Não sei se foi o mais importante programa da rádio portuguesa. Pouco importa. Para mim foi o mais brilhante e criativo programa radiofónico que algum vez escutei. Ficou na memória. Como gostava de voltar a sintonizar o belíssimo Em Órbita no velho Telefunken.

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