As lanternas mágicas e a invenção do Cinema


Exposição no Museu Nazionale del Cinema de Torino homenageia o cineasta Fritz Lang, mestre do expressionismo alemão e autor de “Metropolis”.

Tem a forma de um pirolito gigante em ferro e aço o Museu Nazionale del Cinema de Torino. É um ícone  da cidade, farol de imagens sonoras e visuais. Ao longe, La Mole Antonelliana, desenhado pelo arquitecto Alessandro Antonielli (1798-1888) quase 170 metros de altura e elevador panorâmico projecta semelhanças com a famosa Torre Eiffel, em Paris. São apenas aparências, estilos, símbolos de uma época marcada pelo bom gosto arquitectónico, fausto, requinte, nobreza. Ao perto, entra-se no reino da fantasia, uma viagem pelo mundo do cinema onde apetece sempre voltar, umas vezes pela descoberta do simples cartaz carregado de mitologia (“O Sétimo Selo”, de Bergman) outras, pelo décor, figurinos, planos, pormenores e recriação cénica de muitos filmes das nossas vidas. Entremos, pois, nesta viagem de sonho  e memória.

Do cinematógrafo ao Grand Café

Como o cinema não nasceu por obra e graça divina, comecei pela arqueologia das imagens, as primeiras invenções concebidas por Alfred Darjou, em Paris (séc.XIX) mais as bonitas ilustrações de litografias com sombras, fotogramas, efeitos de ilusão óptica/movimento entre ciência e magia, sem esquecer as encantadoras lanternas mágicas de diferentes estilos e formatos do séc. XVIII, experiências estereoscópicas de Adolphe Block (Paris, 1873) através das quais foi possível visualizar quadros de “Les Cuisines de Satan”. Seguem-se mil curiosidades: o caleidoscóspio de Philip Carpenter, invenções de Edison, reproduções de estampas e desenhos, engenhosas maquinetas que, muito mais tarde, em 28 de Dezembro de 1895, deram lugar ao aparecimento à sétima arte através dos irmãos Lumière. Em síntese, entre o cinematógrafo e o cinema um longo caminho foi preciso percorrer, muita gente ficou apaixonada e seduzida para que hoje, o mundo do cinema seja uma indústria poderosa e possa movimentar muitos milhões em todo o planeta. A fantasia apenas começou há pouco mais de um século, na cave do Grand Café, em Paris.

Imagens e memórias

Atordoado com tantas inovações e datas, decidi deleitar-me (literalmente) numa das muitas poltronas forradas a veludo colocadas no centro do museu e observar, então, imagens de outro firmamento cinematográfico como “O Último Tango em Paris” (1972) proibidíssimo em Portugal antes de Abril e agora, como foi bom rever Marlon Brando e Maria Schneider; ”Salô” (1975), de Pasolini, “Casanova” (1976) de Fellini e “Cabíria”, de Giovanni Pastrone, filmado em 1914, ainda nos primeiros anos da indústria cinematográfica italiana.
Neste museu especial onde de vez em quando temos a sensação de ver  uma nave espacial a cair vinda do céu (ou será o elevador envidraçado a descer do alto da torre?) esperam-nos outras viagens. Pelos corredores em forma helicoidal, o espectador vai subindo, ou descendo para observar cartazes de filmes únicos na Histórica do Cinema Mundial, como “A Regra do Jogo”, de Renoir, “Ivan, o Terrível”, de Eisenstein, “Le Cameraman”, de Buster Keaton, “Gilda”, de Charles Vidor, 1946, com a bela Rita Hayworth; fotos de actores e divas imortalizadas na tela como Mary Pickford, Rodolfo Valentino, Jean Gabin, Marlene Dietrich, Marilyn Monroe, Greta Garbo, Dino de Laurentis e Henry Fonda, realizadores geniais como Alfred Hitchcock, Orson Welles, Lucas, uma imensa galeria de personagens e imagens pontuadas pela história e conhecimento. Mas há mais, muito mais neste enorme museu concebido pelo cineasta britânico Peter Greenway e capaz de seduzir o mais distraído cinéfilo. Cenários das mil e uma noites, adereços, peças de vestuário usadas por gente do cinema (foi um encanto admirar o habitual chapéu e o cachecol que Fellini usava nas filmagens, sem esquecer o “soutien” da Marilyn Monroe…) figurinos em série, recriação da antiga mesa de montagem de filmes, mais testemunhos que lembram a relação entre o cinema e televisão, os diferentes estilos na arte das imagens, ficção, musical, western, fantástico, horror, animação. Uma autêntica aula no tempo e também de homenagens a cineastas visionários que, no seu tempo, contribuíram decisivamente para a inovação, modo de filmar e introdução de nova linguagem cinematográfica. Refiro-me, fundamentalmente, a Griffith, Dziga Vertov, Eisenstein, Méliès. Em Portugal será sempre justo lembrar o papel pioneiro de Aurélio Paz dos Reis, cineasta, republicano, floricultor.

M-Filme-ópera em cena

Estou quase de saída deste enorme museu virado ao céu e em permanente diálogo com o público, mas seria crime sem perdão não percorrer a exposição (temporária) intitulada “Metropolis- il Capolavoro Ritrovato”, dedicada a Fritz Lang, figura central do expressionismo alemão, autor de quase meia centena de filmes marcantes na história do cinema, como “Os Nibelungos- A Morte de Siegrified” (1924); “O Testamento do Dr. Mabuse” (1933) e talvez o mais conhecido da sua extensa filmografia, “Metropolis”, rodado em 1927. Como seria possível  não admirar os documentos originais do filme, a partitura da banda sonora, o projecto, desenhos e efeitos especiais de algumas cenas, as centenas de fotos, cenários e  figurinos, documentos que são, ao mesmo tempo um valioso testamento de uma época. No cartaz de entrada uma frase traduz o meu sentimento por Lang e “Metropolis”: este filme-ópera entrou por direito próprio na galeria de bens culturais e na lista do Património Mundial da Humanidade. Será preciso dizer mais alguma coisa para voltar ao Museo Nazionale del Cinema de Torino? Para revisitar até ao dia 6 de Janeiro de 2013.

 

 

 

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