Como existe mais vida além dos palácios e museus, optei por dar um pulo à Piazza della Republica, já longe do centro da cidade e fui encontrar o “maior mercado a céu aberto da Europa”, frutas, legumes, carnes, peixes, camisolas, flores, caos organizado no trânsito, gente a atravessar fora das passadeiras, vendedores com os carrinhos de transporte de mercadorias, condutores de eléctricos atentos ao frenesim do Mercato di Porta Palazzo. Nunca vi coisa assim.
O meu roteiro de bordo diz-me que são 700 bancas e estou junto ao Corso Regina Marghuerita. Em
frente, retenho um “delicioso edifício” construído em 1916, típico da
arquitectura do ferro, um gigante em relação ao antigo mercado das frutas
(Ferreira Borges) no Porto. É um mosaico multiétnico cheio de cores e aromas,
especiarias de todo o mundo lado a lado com produtos locais, agricultores da
região de Piamonte juntos com marroquinos,
romenos, egípcios, indianos, chineses, uma babel de religiões, culturas,
hábitos. Contorno a confusão instalada e sigo em em direcção à zona do Balon,
conhecido pelo “mercado das pulgas” com venda permitida apenas aos sábados.
Como as cidades
conhecem-se a pé deixo de pedalar a bike que trouxe desde a Stazione
di Porta Nuova e vou circulando pelo
enorme Corso Giulio Cesare, na antiga
Porta Palazzo e maravilha das maravilhas, encontro uma casa de compra e venda
de velhas telefonias, Radio Taccini, desde 1939 a comercializar e reparar
rádios de vários estilos e épocas. “Temos aqui um modelo inglês, marca Airmec, ainda com válbulas
dos anos 40 em bom estado e preço”, tentou seduzir-me o dono da loja.
Meia
dúzia de passos e estou no Borgo Dora, um bairro de casario antigo e observo um
daqueles balões gigantes tipo “passarola” idealizado nos primeiros anos do
século XVIII por Bartolomeu de Gusmão. Desta vez, deixo-me elevar aos céus pela
invenção do padre visionário [e pelo Dumont]
e apesar neblina querer esconder o sol arrisco subir a pique 15 metros. A
aventura durou pouco tempo, mas lá do alto o casario ganhou outras cores. Na descida,
junto ao antigo edifício do Arsenale espalham-se pelas ruas e passeios um mundo
de antiguidades, livros, discos de vinil, peças vintage, adornos, artigos de
colecção, objectos fora de moda, calças e casacos para homem e
senhora, sapatos e meias, camisas, bonés, titti quanti. Até a réplica de uma
cítara indiana por 800 euros (“se der 500 já pode levar”, diz a vendedora) e um mandolino italiano foi possível encontrar
em Borgo Dora.
Há mais coisas para adoçicar os sentidos: queijos,
enchidos, cervejas e vinhos, provas de farinata e cannolos de Piena degli Albanesi
(em Palermo) doces, muitos e variados,
artesanato, stands de roupas mais chiques. “Faço as principais feiras da
Europa, Barcelona, Mónaco, Basel, Roterdão, Polónia. Até em Lisboa já estive”,
sorriu Shera Raja, 35 anos, dividido pela família entre a Índia e o Paquistão. Na volta trouxe para casa um
livrinho de Pavese, um CD de música celta do grupo “Detaran”, uma caixinha em chapa de Flandres pintada para guardar segredos. E o desejo confessável de
voltar às compras a caminho de Borga Dora. Será que o tal rádio inglês Airmec, dos anos 40 ainda está à
venda na Radio Taccini?
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