A Barca Sublime e a realeza de Veneza


Uma viagem a La Reggia di Venaria Reale, cerca de 10 quilómetros de Torino só pode ser feita muito devagar, parando ali e acolá como quem saboreia um néctar dos deuses, tipo Barca Velha. Ao todo são 54 salões cada um mais enorme que o anterior, escadarias que demoram imenso a subir, milhares de pinturas de reis, rainhas, duques e príncipes, longos edifícios colados uns aos outros, uma frente arquitectónica sumptuosa e jardins de todos os sonhos. Estou diante da maior residência da família de Savoia em Piamonte rivalizando em arte, fausto e riqueza com a Corte francesa de Versailles.

Nesta primeira incursão ao reino da fantasia optei por participar na recriação cénica e visual de La Barca Sublime (patente na Scuderie Juvarriane) e o resultado foi duplamente enriquecedor para os sentidos. Imaginem admirar a última embarcação original da Casa de Savoia, “Bucintoro rei da Sardenha”, símbolo de ostentação e palco de viagens da Corte mandada construir pelo rei Vittorio Amadeu II (1729) com 16 metros de comprimento, ornamentada através de esculturas decorativas e pinturas  desenhadas pelo arquitecto Filippo Juvarra, imagens ícones de Veneza e de Torino, acompanhada de música barroca de Vivaldi, um jogo de espelhos, luz e sombras, palácios de encantar, castrati e donzelas em jogos de sedução?
Em termos históricos e simbólicos a representação assume-se como uma peça teatral dividida em três actos: “A Viagem”, “O Sonho”, “A Tempestade”. Na entrada está um écran emoldurado com um caixilho dourado (só ilusão de uma pintura barroca?) e assiste-se à exibição de imagens de Veneza setecentista com o palácio dos Dogges  a servir de símbolo do Poder, a laguna engalanada com barcas engalanadas diante da Praça de São Marcos;  o rio Po e a ponte Vittorio Emanuele I, junto à Piazza Gran Madre di Dio, em Torino. É uma viagem entre duas cidades, espécie de antecâmara  do espectáculo pontuado pela música barroca de Vivaldi na interpretação da Orquestra Europa Galante, Fabio Biondi no violino e direcção da Orquestra.
Quando o prólogo terminou entram em jogo personagens, vídeos exibindo a rainha de Sardenha e outros membros da Corte, jogos cénicos e representações num teatro  imaginado onde não faltam bailarinas, pinturas de Canaletto, alegorias visuais, mais música de Vivaldi, outra vez pela Orquestra Europa Galante. Tudo é grandioso, majestoso, sinónimo de glória, afirmação e poder.
Por fim, os holofotes iluminam A Barca Sublime assente em espelhos. O ambiente voltou a ser de fábula e onírico. Escuta-se o barulho das ondas e por magia,  a tal barca setencentista destinada a perpetuar a memória está diante de centenas de espectadores espantados, observadores atentos da preciosa peça de museu cheia de fausto, nobreza e história. A produção multimédia esteve a cargo do Consorzio di Valorizzazione Culturale La Venaria Reale tem aproximadamente a duração de 40 minutos e contou com diferentes especialistas, designers, fotógrafos, actores. A direcção artística e alinhamento do espectáculo foi assinada por Davide Livermore.
Já estou de saída e oiço um italiano a perguntar à zelosa monitora da exposição: “Como foi possível esta construção ter chegado até aos nossos dias”. A resposta soube através do site do influente La Stampa: a chamada “peota”, embarcação veneziana do séc. XVII só foi possível mostrar agora ao público graças ao minucioso trabalho de restauro levado a efeito pelo Centro de Conservação e Restauro de Venaria e também ao investimento efectuado pelo Conselho para a Promoção das Artes e Cultura de Torino cujo investimento foi orçado em cerca de 250 mil euros. O bilhete de ingresso custa 10 euros e até Dezembro de 2013 A Barca Sublime despertará curiosidade, interesse, admiração. Na Reggia de Venaria existe outra encantadora viagem pelo tempo e história de Veneza setecentista.

 

 

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