Resistência e memórias da cidade sitiada


Museo Diffuso della Resistenza della Deportazione della Guerra de Diriti e della Libertà. Não faz parte dos habituais roteiros turísticos nacionais e internacionais. Nem uma notícia breve. É quase clandestino! O meu guia, La Stampa, indica-me o caminho: Corso Valdocco, perto da Estação de Porta Susa. Lá está um enorme quarteirão urbano cujo  Museo aberto em 2003 pela Città di Torino apenas ocupa uma parte do enorme palácio construído sob o risco do arquitecto Filippo Juvarra na primeira metade de setecentos. Foi aqui onde funcionou o Quartel Militar. O resto faz parte da curiosidade, interesse em conhecer este enorme edifício carregado de simbolismo, testemunho impressionante dos horrores cometidos durante a ocupação nazi em Itália e em Torino.

Nem foi preciso descer aos infernos, 12 metros de profundidade, percorrer o corredor estreito que serviu de refúgio a milhares de pessoas que fugiam dos bombardeamentos, morte e destruição. Bastou ouvir os sons simulados das bombas para imaginar os horrores de gente desesperada e questionar como foi possível ter acontecido esta barbárie na Europa. Neste museu feito de memórias o visitante tem a vida mais facilitada, já que, diversos monitores com informação digitalizada e milhares de fotos ajudam a contextualizar melhor um dos períodos mais sangrentos da História contemporânea e, em particular, no segundo quartel do séc. XX. A tragédia de Itália de Mussolini  passa inegavelmente por este espaço que, é simultaneamente, de estudo, preservação de documentos, difusão  da História de combate e Resistência ao Fascismo.

Relatos da ocupação nazi


Assim, com o auxílio das novas tecnologias de  informação o visitante poderá ter acesso a depoimentos de alguns sobreviventes, Ennio Pistoi (Roma, 1920) e Maria Guandenzi (Cremona, 1921); relatos de lutas contra a ocupação  nazi, imagens da época,  testemunhos de repressão sobre a classe operária e outros opositores ao regime fascista de Mussolini, vários documentários, um dos quais, exibindo o “Duce” triunfante a circular em carro aberto pelas ruas de Torino; dramas de guerra e experiências de “Vivere L´Occupazione”, mais os fuzilamentos em Martinetto, interrogatórios no Albergo Nazionale, antigo quartel-general da polícia fascista, memórias do cárcere em Vinzaglio, a luta do PCI (retenho o cartaz com letras gordas:  “Viva i Partigiani”) a impressão do jornal clandestino “La Lotta”, de 1945, mais cenas de repressão e  Censura aos jornais, a cadeira da morte de centenas de antifascistas, entre os quais, Paolo Branccini, fuzilado a 5 de Abril de 1945; Paolo Perego, 27 de Abril de 1944, Reno Pane, 27 de Abril, de 1944, Carlos Pizzorno, 22 de Setembro de 1944, uma  lista longa de gente cujo único crime foi lutar pela Liberdade.

 
Actividades junto das escolas


Apesar de não ser divulgado por quem tinha a missão e responsabilidade de fazer mais e melhor pela sua existência, o Museo possui um laboratório didáctico permanente para o público das escolas, promove visitas guiadas, projeccão de filmes, actividades  dirigidas para  todos aqueles que pretendam conhecer melhor este período trágico de Itália e da Europa. No mesmo quarteirão do antigo palácio  desenhado por Juvarra funcionam outras instituições fundamentais para o conhecimento: Arquivo Nacional Cinematográfico da Resistência, Instituto Piemonte da História da Resistência, Sociedade Contemporânea Giorgio Agosti e Centro Internacional de Estudos Primo Levi.
Como existem mais memórias deste período espalhadas por Torino fui à descoberta de outros sítios que, de uma maneira ou outra estão intimamente ligados à repressão e à barbárie das tropas de Hitler e Mussolini. Na Estação de Porta Nuova, do lado da Via Sacchi, fui encontrar duas placas gravadas com letras de bronze. Numa delas presta-se homenagem aos “deportados para os campos de extermínio nazi”. Na outra lê-se: “Per L´Indipendenza e la Libertà” (1944-1974).
O roteiro de “Torino 1938-1948 I luoghi della Memoria”  completa-se com a visita à Piazza Castello (onde funcionou o Comité de Libertação Nacional da região de Piemonte); Ghetto Ebraico, Teatro de Torino, Via Verdi, destruído após  violento bombardeamento;  Albergo Nacional, Via Roma (os sinistros andares continuam vazios no séc XXI à espera de algum interessado....) Sinagoga, Via S. Pio V; Santuário della Consolata, onde existe uma preciosa colecção de ex-votos de 40/45; Carceri Nouve, no Corso Vittorio Emanuelle (durante o Fascismo serviu de prisão aos detidos antifascistas) Casa de Dante di Nanni, na Via S. Bernardo e Pian del Lot, onde na manhã do dia 2 de Abril de 1944 foram fuziladas dezenas de pessoas constituído uma das mais sangrentas represálias das tropas de Hitler na cidade de Torino.
Apesar do Museo Difuso não ser divulgado nos roteiros ou guias turísticos - mas será que os turistas vão interessar-se por estas coisas? -  existe e tem uma actividade fundamental para o conhecimento, estudo, investigação da História recente de Itália. É um dos museus com memórias dentro das suas paredes e por isso, um dos mais importantes da cidade régia de Torino.

PS: (Leia-se Post Scriptum) Em Portugal  continua a tentativa de branqueamento do regime Fascista e qualquer dia o feriado do dia 25 de Abril será riscado do mapa. Em Lisboa, a sede da antiga PIDE, na triste célebre Rua de António Maria Cardoso, local de tortura, arbítrio, prisão e morte, um investidor comprou o edifício ao Estado (melhor um dos governos fez um negócio em nome do Estado) e pretendeu transformar a  antiga prisão política num hotel de charme.
No Porto, a antiga Pide/DGS funcionou durante o regime de Salazar/Caetano, na Rua do Heroísmo e para lá foram transportados milhares de antifascistas. Em vez de preservar a memória e estudo para as gerações mais novas, as instalações  foram transformadas em Museu Militar, centenas de colecções com soldadinhos de chumbo, peças e canhões da II Guerra Mundial. Não conta para a História.
Nota final: durante algum tempo, a Associação 25 de Abril (da qual orgulhosamente fiz parte) ainda tentou colocar na fachada do edifício uma placa e uma simples frase: “Neste local funcionou a PIDE/DGS, prisão política da Ditadura de Salazar e Caetano”.
Nem os ministros dos sucessivos governos, nem os generais da Democracia autorizaram a sua colocação.

 

 

 

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