Jaime Isidoro: um pintor do Porto


Por estes dias está patente na Galeria Municipal da Câmara de Matosinhos uma notável exposição intitulada “Memórias Recortadas” com dezenas de óleos e aguarelas do pintor Jaime Isidoro, “um experimentador insaciável”, artista de méritos reconhecidos, figura cimeira da nossa contemporaneidade, colecionador de arte e de amigos, “marchand”, impulsionador da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira e de muitas coisas mais como os famosos Encontros de Arte ocorridos pelo país no tempo de partido único, bafiento e salazarento.
Na memória retenho as bonitas aguarelas do Porto, o abstracionismo de algumas obras, a personalidade multifacetada do pintor, a enorme simplicidade no gesto e atitude, a nobreza de carácter, o espírito de entreajuda aos pintores mais novos, a cumplicidade com os amigos. E factos que não posso deixar de assinalar com particular emoção quando agora revejo as telas expostas em Matosinhos: o empenho na organização da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira cuja primeira edição, em 1978, colocou definitivamente a pacata vila no mapa do país. Nesses tempos de ressaca de Abril pude testemunhar de perto a preparação do famoso evento artístico e agora, quase 40 anos após a iniciativa – quem não se lembra das “provocações” feitas pela pintora Gracinda Candeias na performance improvisada no alto da pousada de Cerveira? - e não resisto a folhear o bonito catálogo artesanal da 1ª Bienal dedicada a Sarah Afonso e a Almada Negreiros, os momentos de azáfama no dia de inauguração com a banda de música a tocar no interior do pavilhão, muita gente da terra ainda meio atordoada com o que estava acontecer enquanto alguns observavam dezenas de obras de arte de Jorge Martins, Albuquerque Mendes, Eurico, Cargaleiro, Cruzeiro Seixas, Eduardo Luiz, uma notável paleta de jovens pintores da história da pintura do séc. XX.
Jaime Isidoro sempre foi um inovador e um homem à frente do seu tempo, espírito aberto a diferentes correntes estéticas e políticas. Em 1973, em plena Ditadura marcelista, um programa de rádio da antiga RCP propunha aos ouvintes um “convívio musical” com a participação do padre Fanhais, um cantor da Resistência (hoje à frente da Associação José Afonso) no Grande Colégio Universal. Pois bem: como o director do estabelecimento tentou censurar a iniciativa, o cantor bateu com a porta e concerto acabou por ser realizado na única galeria portuense de arte digna desse nome (Alvarez) aberta por Jaime Isidoro para acolher os jovens artistas saídos da antiga ESBAP.
Em Abril de 2008, um ano antes de encostar os pincéis e dizer adeus ao ateliê o pintor escreveu: “Se atingir a linha do horizonte tudo ficará para trás. Se chegar ao além só me tenho a mim, sem acreditar na morte nem na vida. É aliciante estar no imaginário e sentir que a vida não foi em vão”. A exposição enquadra-se nas comemorações do 50º aniversário da Cooperativa Árvore e pode ser admirada até ao dia 24. Um dia destes voltarei a revisitar estas “Memórias Recortadas” cheias de ternura e sensibilidade.

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