Releio “Cem
Sonetos de Amor”, de Pablo Neruda, publicado em 2004 pela editora Campo das
Letras (que falta faz o seu desaparecimento à literatura) com tradução única do
poeta Albano Martins e, por coincidência, em dia de homenagem ao poeta chileno na
iniciativa oportuna da Livraria Poetria e Associação Cultural Cena Poétrica,
cuja sessão inolvidável de poesia foi marcada pela exaltação a um dos maiores
vultos da literatura do século XX, autor de vasta e mulltifacetada obra
poética.
Figura cimeira da pátria de Allende, o primeiro presidente eleito
democraticamente na América Latina, Neruda viu morrer o seu amigo de sempre e com
ele partiu também uma parte de todos nós. Como é sabido, a “experiência
chilena” acabou tragicamente no dia 11 de Setembro de 1973 através de um golpe
de Estado executado por Pinochet, o general de óculos escuros, autor do
massacre de milhares de compatriotas, entre os quais, o cantor Victor
Jara, cujo único crime foi lutarem pela
Liberdade e Democracia do seu país. Na minha memória, perduram para sempre as
imagens de La Moneda a arder, Allende de revólver em punho tentado resistir à
barbárie, ao assalto dos golpistas e das bombas de sangue manchadas na operação
“Chove em Santiago”. Acabou por suicidar-se neste dia trágico para o Chile, a
América Latina e o Mundo.
Nesta altura, Portugal vivia tempos de Ditadura e ler o poeta
militante, autor de alguns livros que foram também uma bandeira da minha
geração como “20 Poemas de Amor y Una Canción Desesperada” (1969), “Confesso
que Vivi” (autobiografia publicada em 1974) ou a grande epopeia poética, “Canto
General”, editada pela primeira vez no México, em 1950 foram um bálsamo para
alma e encorajamento para a luta neste país cinzento e opressivo.
Porém, 12
dias após o golpe fascista de Pinochet, no dia 23 de Setembro de 1973, Pablo
Neruda morreu vítima de cancro e há poucos meses especulou-se sobre as
verdadeiras causas da sua morte. Um facto não pode ser desmentido: Neruda morreu de doença
incurável, mas também morreu de desgosto por ver a experiência de Allende
interrompida pela barbárie, amargurado pela ignomínia.
Na noite de homenagem ao poeta
militante ocorrida na passada segunda-feira, 40 anos sobre o seu desaparecimento, coube ao
poeta Albano Martins, desde sempre tradutor da obra poética de Neruda, elencar
algumas linhas de força do legado deixado por Neruda. A multidão que encheu por
completo o renovado Centro Comercial Lumière ouviu em silêncio a voz do poeta,
episódios da vida e obra do autor de “Las Uvas y el Viento”, a trajectória singular de um Homem que, desde
jovem apelou a um mundo mais justo, humano, sem barreiras de classes sociais,
um poeta que soube como poucos exaltar o amor em toda a sua plenitude e
simbolismo. “Pablo Neruda, o poeta que hoje aqui celebramos, na passagem do
quadragésimo aniversário da sua morte, é uma espécie de Himalaia difícil de
escalar. Num século – o nosso - onde sobressaem os nomes de Federico García
Lorca, Rainer Maria Rilke, Fernando Pessoa e alguns outros de dimensão
aproximada, o autor de “Canto General” brilha como estrela de primeira grandeza
no firmamento poético da nossa contemporaneidade”, sublinhou Albano Martins.
Na sessão participaram entre outros,
o encenador Roberto Merino, alguns diseurs, a voz e a viola de Carlos Andrade.
A meio da sessão, tempo para oferta de
empadas e vinho do Chile. Ficou para sempre a poesia de Neruda: “Quero apenas
cinco coisas/Primeiro é o amor sem fim/A segunda é ver o Outono/a terceira é o
grave Inverno/Em quarto lugar o verão/ A quinta coisa são teus olhos/Não quero
dormir sem teus olhos/Não quero ser … sem que me olhes/Abro mão da Primavera
para que continues olhando”.
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