"Luta pela Vida"

 

A manhã já vai longa quando ultrapasso os portões da Casa Emanuel, onde funciona um hospital/creche e infantário. Olhando em volta deste enorme perímetro de edifícios rodeados de árvores tropicais encontro-me num condomínio fechado, oásis de felicidade situado paredes meias com o Bairro Háfia de casas abarracadas, carcaças de betão armado, esgotos a céu aberto, amontado de lixo, muito lixo na paisagem. À beira da estrada a Luta pela Vida tem menos encanto. Vendem-se coisas úteis e outras menos úteis, amendoim e frutas da época (bananas, mangas e papais) água imprópria para consumo, sofás, peças usadas de automóveis, cartões para os telemóveis, óculos chineses, bugigangas de toda a maneira e feitio. Nem preciso de fazer paragem ao táxi, um Mercedes de azul muito carregado, sujo por dentro e por fora, para o motorista adivinhar mais uma corrida. Dois minutos de conversa bastam para acertar o preço do frete da viagem, cerca de 5 euros convertidos em moeda local desde Háfia até ao centro de Bissau através da Avenida Amílcar Cabral. O calor é sufocante e o ar irrespirável. Pelas janelas vou observando a Praça do Império e a Embaixada da Líbia, o enorme edifício do Palácio do Governo e da Assembleia Nacional Popular, o bulício do mercado de Bandim, cujo amontoado de gente provoca sucessivos desvios, paragens, congestionamentos. “É sempre assim de manhã à noite”, garante o jovem motorista habituado às gincanas do velho carro na esventrada artéria onde prevalece a lei do “salve-se quem puder”. Duas horas depois dou meia volta e regresso às instalações da Casa Emanuel, ao meu paraíso terreno. Por aqui tenho outro mundo na mão. Refresco-me debaixo das palmeiras, releio “As travessuras de uma menina má” (Vargas Llosa) e observo as crianças a brincar nos jardins. Até os pássaros soltam melodias de encantar.




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