Percorro o velho casario de Bafatá e revejo
imagens de “Sem tecto entre ruínas”, livro de escrita luminosa de Augusto Abelaira
e a comparação geográfica e simbólica faz sentido. Por aqui, não existem
casas dignas desse nome. Só ruínas. Já não vejo o velho cais, os antigos restaurantes dos
libaneses onde comi bem e barato na Casa Fara Henen e a loja do senhor Fuadu Faur, a
Pensão Transmontana, o café Arcada, mais o Mira-Geba, um bife com ovo a cavalo
saboreado a enquanto o diabo esfregou um olho, tempo da coluna chegar de Cancolim,
na zona Leste do país, chegar aos CTT para buscar os sacos dos aerogramas cheios
de saudade e sacar da messe militar de Bafatá os frescos e outros víveres para
as tropas. Agora, 40 anos depois, só vejo ruas esburacadas, edifícios com
alguma nobreza a cair de podre, a Casa Esteves encerrada, o cinema abandonado,
o posto de gasolina da Sacor vandalizado, a antiga Casa Gouveia e Ultramarina
sem sinais de vida. Aqui passou um tufão. Quase não ficou pedra sobre pedra. Resta
a solidariedade internacional e o generoso trabalho das missões, as ONG verdadeiramente
solidárias, a generosidade de médicos, enfermeiros, professores. E, no entanto,
Bafatá já foi uma cidade asseada, florida, bonita. Hoje é uma cidade fantasma. Percorre-se
o antigo miolo urbano em meia hora e a desilusão é enorme. Talvez a indiferença
dos senhores da guerra explique o quadro de miséria, fome, abandono. Aqui não
se vive. Sobrevive-se. Vou ao cais admirar o rio Geba e, no regresso, topo a placa
indicativa da casa onde nasceu Amílcar Cabral. Por 5 francos CFA consigo
percorrer o seu interior, mais a permissão de tirar fotos deste local cheio de
memórias. Assino o livro de honra e presto homenagem ao fundador da pátria. Por
instantes voltei a ser feliz. É a grande recordação que transporto até Bissau,
cerca de 300 quilómetros, ir e voltar, mais o saboroso bife no Ponto de
Encontro, o restaurante do senhor Dinis e da dona Célia.
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