Um acto de amor e coragem


O dia 7 de Junho de 1998 assinala mais uma data trágica na vida da Guiné-Bissau. Depois de vários golpes e contragolpes neste pequeno país de África os militares iniciam nova guerra pelo Poder. Segue-se o habitual cortejo de horrores, mortes e feridos. Nas ruas caem morteiros, toda a gente tem pressa de chegar ao aeroporto. No cais de Bissau uma fragata da Armada Portuguesa procede à evacuação de homens, mulheres e crianças. No Bairro Militar encontra-se um grupo de missionárias da Costa Rica com nove bebés. As granadas já estão ao pé da porta. “Ao princípio pensei que fosse a explosão de uma botija de gás. Foi o dia mais silencioso da minha vida. Nem os pássaros cantavam. Depois, percebi que tinha começado a guerra”, recordou a médica Isabel Johanning, fundadora da Associação Casa Emanuel, com sede em Bissau. Seguem-se os telefonemas de socorro e auxílio para as embaixadas de Portugal, EUA, Brasil. Aceitam refúgio com uma condição impossível de aceitar: as missionárias partem mas as crianças ficam entregues à sua sorte. Inimaginável tal barbárie, gritam em desespero de causa. “As bebés fazem parte de nós. Preferimos morrer em vez de entregar as crianças”. Os bombardeamentos intensificam-se e ao fim de algumas indecisões as missionárias fogem para a aldeia de Cuntum. “Os morteiros continuam a cair à nossa frente, na berma da estrada. Fugimos com as crianças ao colo. Um horror”.
A BBC está colada ao ouvido das missionárias e toda gente está no limite da sobrevivência. Durante 24 dias ouvem-se outros sons mortíferos das metralhadoras, lança-foguetes, morteiros. “Foram dias terríveis que custaram imenso a viver”. Até que, um fax milagroso enviado pela missionária Alexandra Rissieri a dar conta do drama para a delegação da RTP em Bissau fez soar o perigo de vida das crianças e adultos. Um telefone satélite alertou consciências e o mundo acordou para a barbárie. “Após uma noite na Embaixada (de Portugal) iniciamos os preparativos da fuga, de carro até ao porto de Bissau e depois a coluna entrou numa fragata com destino a Cabo Verde. Só via mães a querer entregar os seus filhos, gente em pânico e aos gritos. Foram momentos terríveis, nunca mais vou esquecer. E nós com nove crianças de tenra idade, procurando proteger de todos os perigos. Durante três dias e três noites navegamos no alto-mar. Tenho várias imagens gravadas na memória, mas recordo-me de ver os soldados com as bebés ao colo. Foi muito comovente. Pela primeira vez observei sorrisos de felicidade”.
A história tem outros episódios com final feliz. Como Portugal esteve atento aos acontecimentos e a solidariedade funcionou, um avião da TAP foi buscar as missionárias e os nove bebés a Cabo Verde e transportou-os para Lisboa. “Ficamos alojados durante 15 meses nas instalações da Misericórdia do Barreiro. Fomos muito bem tratados e tivemos sempre todas as atenções. Nunca faltou nada. Quando a guerra acabou voltei à Guiné para preparar o regresso e, no dia 29 de Setembro de 1999 o grupo desembarcou no aeroporto de Bissau. E mais crianças chegaram, ao todo 20 meninos e meninas. A nossa missão no mundo nasceu aqui”.




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