Uma cama para morrer


Encontrei a missionária Maritza Alvarez-Romero, 61 anos, sorriso afável, comunicativa perto de Bissau. Nasceu na Costa Rica, estudou em colégios americanos, State University College in Buffalo, de Nova Iorque e veio há seis anos para a Guiné-Bissau. “Têm sido anos difíceis, muito duros. Só com coragem e determinação consegue-se viver por aqui”, diz-me num português quase perfeito, desfiando relatos de horrores, tristezas, misérias vividas na primeira pessoa do singular. “Aqui muita gente morre de malária, HIV, tifóide. A maior parte da população a viver nas tabancas não tem 1500 francos CFA (quase três euros) para chamar o médico e aviar a receita dos medicamentos. Há dias, uma senhora pediu-me dinheiro na rua para comprar medicamentos. Disse-me que mãe corria risco de vida. Mais tarde morreu no Hospital [Simão Mendes] porque não existiam reservas de insulina”.
Um médico português com muitos anos de trabalho voluntário na Guiné-Bissau traduziu em poucas palavras toda a dor do mundo. “No Hospital de Bissau falta tudo, medicamentos, médicos e enfermeiros para acudir às necessidades. Quem aqui chega só com muita sorte consegue ser tratado e sair com vida. Muitos só conseguem uma cama para morrer”.
Outro caso: há algumas semanas, uma mulher entrou em trabalho de parto na enfermaria do Simão Mendes. Os enfermeiros ainda tentaram salvar a mãe e o bebé. Como não existiam meios cirúrgicos e medicamentos optaram por salvar o bebé e deixar morrer a mãe. O valor da vida rege-se por outros padrões culturais, sociais, religiosos. Tudo é mais relativo”.
O quadro é negro. A parte das escolas de Bissau estão fechadas devido à greve dos professores - “já não recebem salário há um ano” – e em muitas aldeias a população vai sobrevivendo com a ajuda dos vizinhos e familiares. Ninguém morre à fome, mas a base da alimentação é feita através do cultivo de arroz e caju, algumas verduras, frutas tropicais, bananas e papais, mais a criação de galinhas e porcos. A esperança média de vida neste país, um dos mais pobres do Mundo, atinge cerca de 45/50  anos. “Não há futuro. Mas o povo é corajoso, aprendeu a viver com pouco. Resignou-se. Neste aspecto, o povo dá uma lição de vida ao mundo. Os países ricos deviam passar das palavras aos actos e olhar de outra maneira os países do Terceiro Mundo. África devia ser uma prioridade”.



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