A luz que vem do céu


 Por vezes, a casa só tem brilho com o fio de luz que vem das alturas. Outras, por um clarão em diversas formas e texturas. Na cidade fazem parte da paisagem e durante muito tempo foram elemento essencial no exercício da arquitectura.
Estão por todo o lado. No casario humilde da Rua dos Pelames, em antigos palacetes com estuques decorados, na antiga Cadeia da Relação do Porto, na Casa Andresen e Reitoria da Universidade do Porto, numa série infindável de monumentos e edifícios com história. Ainda resistem as clarabóias e lanternins, exemplares únicos que nos deixam maravilhados, reconfortados. Graças à paixão de dois fotógrafos até as paredes sombrias da Casa do Infante ganham outra luminosidade e esplendor.
Foram precisos 30 anos para chegar até aqui, isto é, inventariar, cartografar, observar e fotografar tanta beleza escondida em cima dos telhados, diz Paulo Gaspar Ferreira, fotógrafo e livreiro, co-autor da exposição Anima Luminaria/Clarabóias, lanternins e outras lumieiras na cidade do Porto que, juntamente com Luciana Bignardi (uma brasileira apaixonada pela Invicta) decidiram corporizar esta ideia luminosa e perpetuar o seu olhar numa exposição a todos os títulos notável e louvável.
“A clarabóia pode transformar-se num elemento identificador da cidade, num ícone idêntico à Torre dos Clérigos em termos de monumentalidade, ou às tripas à moda do Porto no que diz respeito à gastronomia. Temos um museu a céu aberto que pouca gente conhece. É um museu secreto e único. Não conheço nenhuma cidade do Mundo com este tipo de património”, reconhece Paulo Gaspar Ferreira. “Só num dos lados da Rua de Álvares Cabral temos cerca de 30 clarabóias. Mas existem imensas espalhadas pelo Centro Histórico, pelas ruas da Torrinha, Cedofeita, Costa Cabral. É um tesouro sem fim”, observa.
Como potencializar este património? Paulo Gaspar Ferreira tem muitas ideias, sonhos, ambições quanto ao futuro deste legado patrimonial, mas só podem avançar através da partilha de interesses comuns, seja com os poderes públicos ou privados. Em tempo de procura e atracção turística – nunca a cidade teve tantos milhões de turistas nas ruas – porque não a constituição da Rota das Clarabóias. “Já viu como uma ideia aparentemente banal pode ser transformada num grande projecto? Para que tal aconteça as estruturas ligadas ao Turismo e à Câmara do Porto têm de pensar no assunto e serem parceiros”, adianta.
A exposição só tem recebido elogios, palavras de confiança e estímulo. Mas não chega. “Gostaríamos muito que a exposição não fosse o fim, antes o princípio de algo mais sólido para a cidade. Para já, temos um livro em estudo, mas faltam os mecenas. Depois, pensamos que as clarabóias podem abrir horizontes para outras artes e suscitar o interesse da arquitectura, do urbanismo e do património artístico”, diz. O repto vem a seguir: “Seria muito interessante que a Câmara do Porto crie e aprove legislação específica sobre a protecção das clarabóias. Caso contrário podemos criar riscos desnecessários”, alertou.
Na cerimónia de inauguração, Guilherme Blanc, do pelouro da Cultura da CMP elogiou a iniciativa e congratulou-se com a notável beleza artística das fotos expostas, enquanto Manuel de Novaes Cabral, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, destacou a importância artística e patrimonial das clarabóias e lanternins da cidade. O nome do anterior vereador da Cultura, Paulo da Cunha e Silva também foi recordado, já que foi um dos projectos estimulados no seu mandato. Foi mais uma homenagem a um homem de cultura cujo legado e memória a cidade tanto ficou a dever.
A exposição, espécie de roteiro sobre a face escondida do Porto e de enorme beleza patrimonial pode ser admirada até ao dia 2 de Outubro na Casa do Infante, à Rua da Alfândega.




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