Bairro das Artes abre portas para mais uma maratona


A arte democratizou-se, saltou dos salões da burguesia bem pensante para os locais mais inusitados e nunca como hoje acontecem exposições individuais e coletivas, retrospetivas da vida e obra dos mais ou menos consagrados artistas, pintores, escultores, fotógrafos. A agenda cultural do Porto é um desassossego permanente.
Apesar do negócio “já não ser tão rentável como dantes” o certo é que, no Porto, continuam em actividade dezenas de galerias e galeristas, público entusiasta para fruir e vivenciar todas as artes, com particular destaque para a pintura, fotografia, desenho, escultura. Faltam os compradores, mas isso são contas de outro rosário…
Com crise ou sem crise inaugura-se este sábado mais uma série de exposições simultâneas em Miguel Bombarda e como tal, todos os caminhos vão dar ao famoso quarteirão artístico. Só o tempo vai ser curto para fruir tanta oferta e curiosidade.
Comecemos pela galeria Fernando Santos, 25 anos a divulgar alguns dos grandes nomes das artes plásticas em Portugal, como Nikias Skapinakis, Manuel Baptista, Manuel Botelho, Pedro Cabrita Reis, Calapez, Rui Sanches, Santiago Ydánez. Desta vez, mostrará a exposição “Colors of Now”, pinturas da artista sérvia Sanja Milenkovic, vencedora de dois prémios da edição 16.17 do Prémio Arte Laguna, em Veneza._8007050
Quanto ao futuro, o galerista mostra-se “céptico”. Razões: “Durante muitos anos, as pessoas nem sempre compraram a obra certa pelo preço justo. Existiu muita especulação e muitos venderam gato por lebre. Depois, existiram muitos “artistas” sem talento, cotação, nem capacidade para tal. Houve um certo exagero no mercado e nos preços praticados. Como em tudo na vida, este tipo de negócio exige uma grande seriedade entre comprador e vendedor. E agora, fruto da crise económica, as empresas leiloeiras estão a aproveitar-se da venda de obras de arte pelos particulares. Mas vamos continuar a resistir”, garantiu Fernando Santos, o galerista que há 25 anos colocou no mapa da cidade as célebres exposições no Bairro das Artes.
Do outro lado da rua [Miguel Bombarda] fica situada a Quadrado Azul, de Manuel Ulisses, outro pioneiro das artes e um dos mais antigos galeristas do Porto. Desta vez, a exposição proposta intitula-se “Praia Falha” e mostra obras de Gonçalo Sena que, pela segunda vez, apresenta no Porto um novo grupo de esculturas.
Muito próximo desta artéria, em D. Manuel II,  fica a Galeria de Arte Rui Alberto e para este sábado, serão colocadas nas paredes obras de vários autores e estilos, desde Carlos Carreiro até Vítor Aguiar, passando por trabalhos de Daniel David e Augusto Canedo até à escultura de Rui Paiva, prémio da Bienal de Aveiro (2017) sem esquecer as tapeçarias de Siza Vieira e as pinturas do próprio galerista e pintor Rui Alberto. Quanto ao futuro, leia-se compra e venda de obras de arte, o artista não baixa os braços e diz que, só resta “resistir, resistir e esperar por melhores dias”.
Atravessando a Rua D. Manuel II fica o Palácio de Cristal e entre um passeio pelo jardim das Tílias, por que não entrar na Galeria Municipal do Porto para ver muita arte contemporânea, entre as quais, “Germinal”, núcleo de obras de Cabrita Reis (que fazem parte da colecção da Fundação EDP) e dezenas de trabalhos efectuados por artistas finalistas do Prémio Paulo Cunha e Silva. A sugestão aqui fica e a entrada é sempre gratuita.
Um pouco mais adiante situa-se o Museu Nacional Soares dos Reis e por lá continua patente a exposição do genial Almada, intitulada Almada Negreiros. Desenho em Movimento. Até ao dia 18 de Março ainda pode revisitar a notável mostra, participar em visitas guiadas (consulte o site do MNSR) conversas sobre Almada (dia 10, às 18 horas, cujo tema será: “Almada-Moledo-movimento, por João Pimenta (mediador cultural) e Maria João Vasconcelos (directora do MNSR) seguida de performance do famoso Manifesto Anti-Dantas, pelo encenador Francisco Alves, do Teatro Plástico.
A dois passos do Museu fica o Centro Português de Fotografia (CPF) antiga Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, onde permanentemente estão expostas várias exposições de diferentes artistas e escolas, percursos estéticos e temáticos. Comecemos pela excelente mostra de fotografia “Rituais do Ver”, de Fátima Carvalho, 28 imagens captadas em diferentes lugares com história, museus e galerias de arte, cujo livro com prefácio da investigadora Maria do Carmo Serén intitulado “Um Carroucel de Emoções” resume a trajectória e sensibilidade da artista.
“A imagem fotográfica é uma apropriação de situações. Caracterizar estes comportamentos que possam ser mínimos e por vezes muito breves, exige um conhecimento profundo da câmara e do seu processo algorítimico. A senhora sofisticada que aponta com o indicador o reconhecimento de um detalhe, reconhecendo-o, mostra o seu mínimo L1250473tempo e duração (…) Por tudo isto, Fátima Carvalho se deteve nos vestígios de sedução, os braços caídos, numa entrega fácil ao apelo do objecto, o espanto e a indeterminação da jovem que leva as mãos à cabeça, o encanto retirado do manual de magia e suspende o gesto e a selfie. A fotografia é em si mesma uma transfiguração”, sublinhou.
Depois do CPF a exposição de Fátima Carvalho segue viagem até ao Centro Cultural George Dussaud, em Bragança, e depois, S. Paulo (Brasil) e Paris. “O ato de fotografar constitui para mim um momento único e procuro captar o momento e dou muito valor ao detalhe. Sou muito persistente e, por isso, procuro o ângulo perfeito e a emoção do olhar. Por vezes é no detalhe que faço o clique para captar a imagem”, traduz. A exposição “Rituais do Ver” continua patente até ao dia 18.
Ainda no CPF, Paulo Pimenta, fotojornalista do ‘Público’ apresenta outra notável exposição “Ilha”, rostos e espaços das antigas (e atuais) ilhas do Porto, testemunhos da cidade cheia de casas insalubres com gente dentro e memórias cruzadas ao longo de várias gerações.
O projecto durou dois anos e foi desenvolvido um trabalho de criação artística com a comunidade do Bonfim. Ilha é uma  exposição desenvolvida no âmbito do projeto “Retratos das Ilhas – Bonfim para além das fachadas” promovido pela Rede Inducar, financiado pelo programa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian e tem como “objectivo a promoção de espaços de participação e construção colectiva no sentido do reconhecimento das ilhas enquanto património imaterial, humano e comunitário, através da fotografia participativa e do teatro comunitário”.
Nesta maratona pelos caminhos da arte convém não esquecer Serralves e duas exposições imperdíveis: Álvaro Lapa (No Tempo Todo”, considerada a maior retrospectiva até agora programada, desenhos, pinturas, objetos, cujo total ascende a cerca de 300 obras expostas; mais a artista italiana Marisa Merz, (Torino, 1926) cujo percurso pictórico está associado à arte povera, ao movimento de vanguarda italiano dos finais da década de 60.
Se ainda tem forças e vontade de saber mais sobre exposições então nada melhor do que rumar até Matosinhos onde na Galeria Florbela Espanca, estão expostas diversas telas de Ângelo de Sousa, nome cimeiro da arte, um dos artífices do Grupo Quatro Vintes. No outro extremo da cidade, na zona Oriental do Porto, em Campanhã, as galerias Mira Fórum oferecem uma mão cheia de propostas, entre as quais, “Passagens”, de Margarida Paiva (última chamada para rever a exposição) mais o notável conjunto de fotografias de Adriano Miranda (fotojornalista do ‘Público’) espécie de homenagem e tributo aos homens que trabalharam nas antigas minas do Pejão.  No final não se esqueça de assinar a petição e caso entenda comprar o precioso livro.
Claro que existem mais coisas a acontecer, mas a maratona terminou. Um homem não vive só de arte, pintura, fotografia e “tutti quanti” e como tal, nada melhor que dar duas de letra com os amigos e saborear uma sande de presunto ou um copo de tinto no tasco mais próximo. A arte pode esperar.



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