Jorge Palma regressou com “Só”, o piano e a poesia


Só” não é apenas título do livro “mais triste que há em Portugal” no dizer do poeta António Nobre e um dos marcos da poesia do séc. XIX. “Só” é também o último trabalho de Jorge Palma e o concerto desta quinta-feira à noite na sala Suggia da Casa da Música (CdM) foi muito mais do que o desfilar de antigas e novas composições, antes quase três horas de extraordinária beleza e emoção partilhadas por gente jovem e menos jovem, um piano, a voz e a poesia do autor de dezenas de temas que se confundem com as nossas vidas, um décor intimista com projeções de André Tentúgal (encantadoras do ponto de vista visual e estético) homenagens a gente de outra galáxia, Leonard Choen (foi emocionante voltar a ouvir “Bird on the Wire” mas também Brel, Ferré e Dylan.
Neste regresso abençoado ao Porto (e a exemplo do que já tinha acontecido no CCB, em Lisboa) Jorge Palma interpretou com mestria uma histórica peça do reportório clássico mundial, a belíssima Sonata nº 8, Pathétique, de Beethoven. “Isto exige mais estudo. Não sou a Maria João Pires, mas dá-me gozo”, disse com sábia humildade. A assistência que encheu completamente a CdM retribuiu-lhe a ousadia com uma forte ovação.
Na hora combinada o reencontro aconteceu. Jorge Palma entra em palco depois das 21, 30 horas no seu jeito habitual, olhar sorridente, camisa branca à James Dean e ataca as teclas do Steinway colocando a assistência a vaguear “Com uma viagem na palma da mão”. Surgem as primeiras notas e palmas. Depois brinda-nos com temas apelativos, encantadores: “O Meu Amor Existe”, “Na terra dos sonhos” (“Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és/Ninguém te leva a mal/Na terra dos sonhos toda a gente trata gente por igual”) e antes de fazer uma breve pausa com “Deixa-me rir” levanta-se do piano e do céu recordou duas personagens opostas do firmamento musical: Frank Zappa e Stockhausen. E sem delongas deitou mão à ironia: “Gosto muito de filmes de terror”.
E surgem outros temas acompanhados, por vezes, em pianíssimo pela assistência: “Essa Miúda”  (“Essa miúda é uma fogueira/que te acende as noites em qualquer lugar/E tu desejas arder com ela/Enquanto bebes o perfume/Que ela deita nos seus trapos de cor/Para te embriagar”); “Canção de Lisboa”, mais “Estrela do Mar”, “À Espera do Fim” e a meio do concerto o eterno “Bairro do Amor”.
Com o alinhamento ainda a meio a noite já estava ganha, mas o autor de “Frágil” agarrou a pauta das emoções e tocou-nos ao coração com “A Gente vai continuar”, depois “Jeremias, o fora de lei”, mais a “Valsa de um homem carente” (de Carlos Tê) e outras canções como “Só”, “Passos em volta” e “Amor digital”, (“Sei lá se vou dar-me bem com o teu amor digital”) um tema muito bonito a incluir no próximo trabalho.
Eram quase 23h30 horas e pelo andar da carruagem o concerto aproximava-se do fim, mas ainda se ouviu  “Passos em Volta” e “Balada dum Estranho”. Antes da meia-noite o público quer mais e Jorge Palma faz-lhes a vontade.
Regressa ao palco ainda mais efusivo, distribui abraços e beijos, volta a sentar-se ao piano para interpretar “Lado errado da noite”, “Doce fêmea” e “Portugal, Portugal”. É a apoteose. O cantor diz adeus e o público voltou a retribuir-lhe uma estrondosa salva de palmas. Talvez ainda quisesse mais. Mas não se podia exigir coisa alguma a quem esteve quase três horas a cantar e a tocar piano num concerto a todos os títulos memorável. E como a poesia pode ajudar a salvar o mundo talvez valha a pena recordar um poema que todos conhecem de cor e salteado:  “No bairro do amor a vida é um carrossel/Onde há sempre lugar para mais alguém/O bairro do amor foi feito a lápis de cor/Por gente que sofreu por não ter ninguém”.
Feitas as contas “Só” representa 25 anos de canções, memórias, afectividades. E, uma vez mais, Jorge Palma quis partilhar a efeméride em festa e com o seu público de sempre. Por tudo e muito mais o cantor já merece (pelo menos) uma estrela Michelin.

Comentários