Pouco passava das 21 horas quando as
luzes se apagam e entram os músicos em palco: Dani Garcia, piano;
Guillermo McGill, bateria/percussão e Josemi Garzón, contrabaixo.
Segundos depois o “basco de voz rouca” puxou da sua viola para revisitar
temas que fazem parte do seu reportório, uma obra extensa e rica em
sonoridades, “Samaritana”,
“Canela Pura”, “O que fazemos agora”, “María en el corazón”, “A luz da vida”, “É tão difícil deixar de pensar”. Já com a plateia rendida ao poeta das canções, Patxi entoou o admirável e sempre belo tema de amor “20º. aniversário…Palavras”. Para trás tinham ficado outras lembranças: os poemas de José Carlos Ary dos Santos e Pessoa, os seus
antepassados, mais o País Basco.
À partida, a noite de Patxi Andión traz Zeca no Coração não
pretendia ser um tributo ao mais genuíno cantautor de antes e após o 25
de Abril. Porém, é conhecida a relação de amizade mútua e, também
a vontade de ambos partilharem um projecto intitulado “Poetas
Ibéricos”, onde cada um escolhia os poetas dos seus países, compunham as
músicas e cantavam os poemas escolhidos. Volvidos muitos anos Patxi
recriou este sonho nunca concretizado.
“Não quero lembranças ou homenagens. Zeca está sempre no meu coração”, repetiu. Mas, como fugir ao sentimento? Por isso, a noite foi sempre de afectividades e não admirou pois, que a plateia tenha emudecido quando ouviu os primeiros acordes do poema de Camões, “Verdes são os Campos” (1972) e tenha continuado emocionada com outros temas que fazem do nosso património artístico: “Traz outro amigo também” (1970); “No comboio descendente” (1974); “Canção de embalar” (1968) “Venham mais cinco” (1973) ou “O que faz falta”(1974). Foi a apoteose de um concerto único, com todos os intérpretes em palco, palmas, abraços, público de pé a pedir mais “encores”. E nem a chuva miudinha tirou brilho à noite de todas as homenagens. Para o ano Patxi Andión festeja meio século de canções e provavelmente, andará outra vez por aí para nos encantar.
Notas finais: num país por inventar, a obra de José Afonso seria com toda a certeza estudada, conhecida, lembrada nas escolas e nos “media”. Como uma boa parte deste país sofre de amnésia, o concerto serviu não só para recordar o enorme legado artístico deixado por José Afonso (1929-1987) como avisar a malta para um facto histórico: as
celebrações do 30º aniversário da morte do cantor acontecem em 2017.
Será, pois, boa altura para o país que sempre o marginalizou e hostilizou (só os cínicos dirão o contrário) consiga redimir-se e, pelo meios que entender, lembrar aos mais jovens a vida e obra de um dos maiores vultos da cultura do séc. XX, um genial autor e intérprete de canções, um cidadão exemplar e incansável lutador pela Liberdade e Democracia.
O segundo item serve apenas de pretexto para lembrar outro facto
histórico: em 1970, Portugal vivia debaixo da mais velha ditadura
da Europa e “estava orgulhosamente só”. Tudo era literalmente
proibido. Até dar um beijo na rua. Nesse mesmo ano, uma revista única, a
Mundo da Canção (sempre editada por um homem generoso e corajoso,
Avelino Tavares) puxou para tema de capa Patxi Andión, três vezes
expulso do país pela zelosa PIDE. Na entrevista conduzida pelo
jornalista (e poeta) José Viale Montinho, Patxi Andión diz, entre outras
coisas o seguinte: “Não sou um homem triste. O que sou é realista (…)
Não sou triste, a minha realidade é a das sombras, das pessoas que estão
nas conversas, das prostitutas, dos cães, dos vagabundos, das
crianças”.
(Entrevista publicada no número 5 da revista MC, Abril de 1970)
“Canela Pura”, “O que fazemos agora”, “María en el corazón”, “A luz da vida”, “É tão difícil deixar de pensar”. Já com a plateia rendida ao poeta das canções, Patxi entoou o admirável e sempre belo tema de amor “20º. aniversário…Palavras”. Para trás tinham ficado outras lembranças: os poemas de José Carlos Ary dos Santos e Pessoa, os seus
antepassados, mais o País Basco.

Pedro Jorge Sottomayor
“Não quero lembranças ou homenagens. Zeca está sempre no meu coração”, repetiu. Mas, como fugir ao sentimento? Por isso, a noite foi sempre de afectividades e não admirou pois, que a plateia tenha emudecido quando ouviu os primeiros acordes do poema de Camões, “Verdes são os Campos” (1972) e tenha continuado emocionada com outros temas que fazem do nosso património artístico: “Traz outro amigo também” (1970); “No comboio descendente” (1974); “Canção de embalar” (1968) “Venham mais cinco” (1973) ou “O que faz falta”(1974). Foi a apoteose de um concerto único, com todos os intérpretes em palco, palmas, abraços, público de pé a pedir mais “encores”. E nem a chuva miudinha tirou brilho à noite de todas as homenagens. Para o ano Patxi Andión festeja meio século de canções e provavelmente, andará outra vez por aí para nos encantar.
Notas finais: num país por inventar, a obra de José Afonso seria com toda a certeza estudada, conhecida, lembrada nas escolas e nos “media”. Como uma boa parte deste país sofre de amnésia, o concerto serviu não só para recordar o enorme legado artístico deixado por José Afonso (1929-1987) como avisar a malta para um facto histórico: as
celebrações do 30º aniversário da morte do cantor acontecem em 2017.
Será, pois, boa altura para o país que sempre o marginalizou e hostilizou (só os cínicos dirão o contrário) consiga redimir-se e, pelo meios que entender, lembrar aos mais jovens a vida e obra de um dos maiores vultos da cultura do séc. XX, um genial autor e intérprete de canções, um cidadão exemplar e incansável lutador pela Liberdade e Democracia.

Pedro Jorge Sottomayor
(Entrevista publicada no número 5 da revista MC, Abril de 1970)
“Foi um concerto de emoções. Não foi um
concerto para celebrar Zeca Afonso, antes para trazer o Zeca no
coração”, recordou Patxi Andión, momentos após ter terminado o concerto
“histórico” na superlotada sala Suggia da Casa da Música, quase três
horas de canções, cumplicidades, afectividades, partilha de sentimentos,
com amigos de ontem e de
sempre, Carlos Alberto Moniz, José Barros, João Afonso, sobrinho de José Afonso, mais o cantautor Iñigo Andión, 25 anos, filho de Patxi quase a completar 70, mas sempre com nostalgias do futuro. Depois de “Porvenir” e “Quatro Dias de Mayo” (2014) preparem-se: o compositor já trabalha no projecto destinado a celebrar 50 anos de música e canções. |