São muitas
as minhas memórias do Rivoli, um equipamento público com uma relação afectuosa
com a cidade, antes e depois de Abril, palco de grandes acontecimentos e
algumas tragédias, mas sempre umbilicalmente ligado às artes perfomativas, ao
bailado e ao cinema, mas também ao teatro, à música, erudita ou clássica, ou de
outros géneros e latitudes geográficas,continentes
por descobrir, desde a bossa nova do Brasil até música de inspiração folk, ou
celta, sempre com lotações esgotadas para gáudio de um público sedento e, ao
mesmo tempo, conhecedor da importância da música como instrumento para um mundo
melhor e mais solidário. Um poema pode
não mudar o Mundo, mas pode ajudar as pessoas a serem mais felizes e melhores.
Não vou cair
na tentação de elaborar cronologias, datas, frivolidades. Prefiro contar coisas
na primeira pessoa do singular, espectáculos marcantes ao longo da minha vida.
Como posso esquecer os fabulosos concertos do maestro José
Atalaya, aos domingos de manhã, no Rivoli, entre 1966 e 1974, a explicar à
plateia de jovens a 9ª de Beethoven, as singularidades da partitura e os compassos,
“Allegro ma non troppo”, “um poco maestoso”, “molto vivace”, ou a “grande
finale”, sem esquecer o poema À Alegria,
de Schiller, a beleza dos sons mágicos do genial compositor? Simplesmente, inesquecível. Ou o fabuloso
recital de Alfred Brendel, pianista de méritos reconhecidos no Mundo que, na
década de 80 veio ao Porto, fraca divulgação nos media, meia sala para nossa
desvergonha? Mas posso, também, recordar algumas peças de teatro marcantes, como
D. João VI, pelo grupo A Barraca (1976) com a fabulosa Maria do Céu Guerra e
Mário Viegas, actor e um dos grandes disers de poesia do séc. XX (todos os
elogios são poucos perante esta figura enorme da Cultura, injustamente
esquecido pelos poderes de ocasião) ou A Comuna, de João Mota, mas também, a vinda
ao Rivoli, em 1988, da Companhia de Ballet da Gulbenkian (um acontecimento para
a época) e da Companhia Nacional de Bailado, sem esquecer a realização de
centenas de concertos fundamentais do
mundo da música, Gismonti, Collete Magny , Nara Leão, Pablo Milanès, Ferré, Archie Shepp,
Astor Piazolla, mais José Mário Branco, Trovante, Rui Veloso, Sérgio
Godinho, Sétima Legião…
O Porto de hoje já não tem nada a ver
com o passado (felizmente) mas não podemos esquecer, muito menos omitir o papel
pioneiro em termos culturais da Revista MC- Mundo da Canção, cujo editor foi
sempre Avelino Tavares, a quem o Porto deve um grande tributo e a importância das
várias edições do Festival Intercéltico que, sob a sua organização e apoio da
CMP durante as décadas de 80 e 90 tiveram uma importância fundamental no
conhecimento e estudo da música de inspiração celta, com centenas de grupos e
artistas de vários países europeus a circular pelo Rivoli. Uma festa.
Depois, saltando algumas etapas, não
posso deixar de recordar o papel fundamental da Isabel Alves Costa, na
dinamização do Rivoli, a criação de novos públicos, a importância do Festival
Internacional de Teatro de Marionetas (um luxo na cidade) e a apresentação de
novas propostas estéticas e estilísticas, espectáculos produzidos e pensados
para vários púbicos e interesses culturais.
A seguir e por opções políticas da CMP,
na altura dirigida por autarca míope e invejoso (dizem-me que, ainda sonha ser
PM) o Rivoli foi entregue de mão beijada a um senhor de Lisboa, coisas de
revista para enganar velhinhos e espectáculos de 4ª categoria, com passadeira
vermelha até à Praça D. João I (juro, é verdade, eu vi) e também palco para
outras feiras de vaidades, um festival de cinema com muitas coisas fantásticas
e fantasmagóricas, um género nunca cultivado pelo cinéfilo militante do
Cineclube do Porto.
Seguiram-se os “Anos de Chumbo”, com a ocupação do Rivoli
(faz parte da História e não podemos esquecer) e durante 12 longos anos não
voltei a entrar no velho teatro. Retomei o diálogo há meia dúzia de anos, até
já tenho Cartão de Amigo. Mas, feitas as contas, na minha Bolsa de Valores, fiquei
sempre a ganhar. A troco de alguns escudos e poucos euros testemunhei, na sua
esmagadora maioria, espectáculos únicos,
esplendorosos, concertos para a vida e que, ao longo dos anos, ajudaram-me
a ser mais feliz.
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