Guiné-Bissau: corrupção e droga contaminam o país


 

Além da pandemia motivada pela Covid 19, a falta de cuidados básicos de saúde, um hospital digno desse nome, água potável e outros bens essenciais à vida, a Guiné-Bissau tem um vírus mortífero e sem vacina à vista: chama-se tráfico de droga e, há longos anos, corrói os alicerces do Estado de Direito, a sociedade, as instituições, o Poder, todos os poderes, militar, judicial, político.

Toda a gente sabe como os negócios da droga são efectuados e como funciona a lavagem do dinheiro. Os traficantes são conhecidos, os filhos dos generais e outros serventuários do aparelho de Estado também não escondem os sinais exteriores de riqueza. E fazem sem o mínimo de pudor, às escâncaras e exibicionismo terceiro-mundista.

Em Abril de 2014, regressei à Guiné-Bissau, país onde estive em 1973/74, durante a Guerra Colonial. Num final de tarde, estou sentado numa esplanada de Bissau, perto do antigo cinema e observo uma fila interminável de carros de luxo, Toyota Land Cruiser, seguidos de Tuareg 6 lugares, vidros fumados, novinhos em folha, cada um a valer mais de 120 mil euros. Por instantes, pensei estar em Nova Iorque ou Londres,  luxo, fantasia, típicos de uma sociedade capitalista abundante e próspera. Mas não. Estou num dos países mais pobres do Mundo, ruas esburacadas, sem esgotos, rede de águas pluviais, electricidade, água potável, entulheiras em cada canto  esquina, gente pelas ruas a vender galinhas e no alto dos edifícios, centenas de abutres empoleirados…

A droga, sempre a droga a dominar atenções e silêncios cúmplices, um país transformado numa gigantesca porta giratória do narcotráfico internacional, espécie de entreposto dos cartéis de droga da América Latina para a Europa, pistas de aviões improvisadas, cumplicidades das autoridades e do aparelho de Estado. O tema deixou de ser tabu:  “Nós temos instituições do Estado envolvidas no tráfico de droga. E o tráfico de droga está a financiar o terrorismo”, denunciou, há cerca de um ano, a ex-ministra da Justiça da Guiné-Bissau, Ruth Monteiro.

As críticas ao governo de Umaro Sissoco Embaló, quase que lhe iam custando a vida. O auto-proclamado presidente da República após eleições polémicas, mas caucionadas pela comunidade internacional e o silêncio cúmplice da CPLP- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa lá tomou posse perante críticas de fraude eleitoral. “São gente ligada ao tráfico de droga e ao terrorismo, foram eles que tomaram de assalto o poder”, contou, após ter recebido várias ameaças que punham em risco a sua segurança física.

“ Temos um Ministério Público completamente corrompido e incapaz de se afastar dos laços em que se envolveu. Quando foi a maior apreensão de droga na Guiné-Bissau, as pessoas que mais impediram a realização do trabalho da Polícia Judiciária foram os agentes do Ministério Público”, criticou Ruth Monteiro. De então para cá, desde a tomada de posse de Umaro Sissoco Embaló até agora, a situação agravou-se. Sucedem-se os ataques à Liberdade de Imprensa, jornalistas agredidos e espancados, comportamentos típicos de uma Ditadura. Entre os casos mais mediatizados, conta-se o sucedido ao jornalista Adão Ramalho, da Rádio Capital FM de Bissau; ao bloguista Aly Silva, alvo de sequestro e espancamento no centro de Bissau; depois, a invasão e destruição de equipamentos da Rádio Capital FM, aparentemente tudo feito por homens armados, dispostos a silenciar e amedrontar quem faz Jornalismo na Guiné-Bissau.

Perante a sucessão de acontecimentos, o Sindicato dos Jornalistas não hesitou em apontar o dedo ao aparelho de Estado, enquanto a Liga Guineense dos Direitos Humanos, numa nota publicada em Janeiro de 2021, afirma registar com “bastante preocupação e perplexidade o aumento de  casos de agressões abusivas contra cidadãos perante a incúria das autoridades judiciais”. Como o Poder está praticamente concentrado na figura de Embaló, até os activistas do Movimento para a Alternância Democrática (Madem G15) que faz parte da coligação do Governo, são vítimas de espancamento, alegadamente, cometidos pelo corpo de segurança do PR dentro das instalações do Palácio Presidencial.

Resumindo: Embaló, o déspota pouco iluminado apenas continua focado em ter mais Poder e, por este andar, não vai resolver nenhum problema estrutural do país. Se pobre está desde a Independência em 1973 e a população vive no limiar da pobreza (menos de um dólar por dia) a incerteza continua e não se vêem sinais de mudança. O PAIGC também foi Governo durante muitos anos, tem culpas no cartório, enrolou-se em golpes e contragolpes, não fomentou as políticas necessárias para a combater a crise endémica da Guiné-Bissau, um país independente há 48 anos e sempre dependente da ajuda internacional. A corrupção e o tráfico de droga já contaminaram a sociedade, o país, governantes, políticos. A pátria sonhada por Cabral continua por cumprir.

Jornalista

Autor do livro: Crónicas na Pátria de Cabral

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