"Há Festa na Aldeia" do Cinema



Não é só um festival de cinema no sentido clássico do termo. Antes,  cruzamento de várias artes e horizontes, palco dos Encontros Internacionais de Televisão, Vídeo, Multimédia. O Avanca Film Festival é tudo isto e muito mais. Também ajuda a fazer filmes, a desvendar os segredos da câmara e os jovens, cada vez em maior número, chegam atraídos pelo conhecimentos e prazer das imagens. Não sei se o país lhes dá a atenção merecida. O festival continua vivo e recomenda-se. Vinte e cinco anos depois, fintou a pandemia e reinventou-se.

 Como o dinheiro é curto, não existe muita publicidade espalhada pelas ruas, meia dúzia de cartazes na estação da CP de Avanca, uma pequena vila do concelho de Estarreja, alguns “outdoors” no centro urbano. “Tudo ou quase tudo está na nossa página da web na Internet”, resume Júlia Rocha, voluntária do secretariado desde o seu início. Chegou para ajudar a pintar desenhos num filme de animação, depois, foi ficando e hoje, faz parte do Cineclube de Avanca e do Filmógrafo. É uma das muitas voluntárias do Festival, ajuda a máquina a rolar, mais de 120 títulos em exibição nas diferentes modalidades e categorias, ficção, documentário, filmes para televisão, cinema de animação, retrospectivas de filmes premiados, 25 filmes, 25 anos. “Sem os voluntários (as) o Festival não acontecia”, traduz António Costa Valente, director do Cineclube de Avanca, professor, mentor do certame.

“O Festival tem vindo a reinventar-se sucessivamente. No ano passado e, em plena crise pandémica, fizemos várias sessões ao ar livre junto ao parque de estacionamento [Pavilhão Municipal Comendador Adelino Dias Costa] e o “drive-in” funcionou na perfeição. Foi um sucesso incrível, pessoas dentro dos carros a buzinar, felizes e contentes pela experiência”, resume António Valente, sempre ao leme deste acontecimento, 25 anos de história, altos e baixos, sempre com imaginação e audácia em seguir em frente. “O Festival apostou na formação de jovens cineastas e, ainda hoje, continua a ser a sua marca de água, incentivando o cruzamento de experiências entre televisão e vídeo. Por exemplo, em Avanca, foi concebida a primeira produção europeia num écran de telemóvel. O filme intitula-se “Histórias a passo de cágado”, de Artur Correia, teve o apoio do ICA e foi exibido na RTP. Foi um sucesso incrível”, recorda António Valente. O título está na nossa memória e, ao longo do tempo, foram produzidos 65 filmes de trinta segundos, uma série de humor hilariante, sempre sem diálogos  (tal e qual como em muitos filmes de Tati, o genial Tati, um simples gesto e expressividade no olhar traduzem sentimentos e emoções) onde uma tartaruga consegue captar adoráveis simpatias. A série de animação já deu a volta ao Mundo, festivais em França, Índia, Polónia, Turquia, Portugal. E em Avanca, onde tudo começou.

 

“Bruscamente, no Verão Passado”

 Como este evento acontece sempre no Verão e aproveita a pausa das férias escolares de milhares de jovens, o seu secretariado está centralizado nas escolas. Este ano, não fugiu à regra, Escola Primária do Mato, mais a EB 2/3 Egas Moniz foram palco de outros saberes, cursos de cinema e sua linguagem, ideias, projectos, aprendizagens, “workshops”, oficinas de criação fílmica, mais o Avanca Pitch Sessions, outra aposta na indústria dos audiovisuais, mais o intercâmbio entre investigadores, professores de diferentes áreas ligadas ao cinema do país e do Mundo.

“Desde 2010, o Avanca Film Festival organiza diversas conferências académicas entre cineastas, professores, gente de vários países e continentes. O objectivo é só um: fomentar o ensino do cinema enquanto expressão artística aberto à modernidade e ao avanço tecnológico”, sublinhou António Valente.

Além dos filmes exibidos no Salão Paroquial de Avanca, cujo auditório enorme e cadeiras a pedir reforma, faziam lembrar o decrépito salão e décor de um filme hilariante, “O Baile dos Bombeiros” (1967) de Milos Forman, foram exibidos filmes no Centro Comercial de Ovar e, em sítios improváveis, como a Estação dos Caminhos de Ferro de Canelas, também existiu espaço para o lançamento e venda de livros, anúncio de outras obras ligadas à Sétima Arte, entre os quais, um Dicionário de Cinema com textos de vários estudiosos. 

Numa vila sem agenda cultural digna de registo, resta a programação do Cineclube de Avanca, o Festival e os filmes rodados na região, centenas de títulos, competições em diversos certames, mais de 50 prémios conquistados no Mundo, um palmarés de fazer inveja. “Na edição de 2021 tivemos 14 filmes a concurso concebidos por cineastas amadores e não-profissionais, filmes de grande pendor criativo. Entre os filmes, merece destaque “Pé de Feijão”, uma longa-metragem de António Pinto e Paulo d’Alva, inteiramente rodado em Estarreja, através de uma parceria com a Cerciesta/Cooperativa para Educação e Reabilitação do Cidadão Inadaptado de Estarreja, uma instituição de apoio a crianças portadoras de deficiência, cujos utentes são os protagonistas.

 “O filme constitui um acto de coragem e humanismo. O seu enredo conta uma história comovente”, avaliou António Costa Valente. Em tempo: o filme foi exibido no encerramento do Festival, arrebatou fortes aplausos e conquistou uma menção honrosa. Por todos os motivos merece ser mais visto e admirado. Em Avanca, ou em outros festivais do país.

 

Mecenas, precisam-se

 Conforme foi referido, o Avanca Film Festival acontece todos os anos graças ao apoio de algumas entidades oficiais, cerca de 30 mil euros do ICA, mas também da Câmara Municipal, Junta de Freguesia e Paróquia de Avanca. E, fundamentalmente, à carolice e dinamismo do Cineclube local, cujo edifício está em construção há mais de 25 anos e ainda não terminou. Como é possível? “Sim, o prédio começou a ser construído, mas até agora, têm  faltado os mecenas, as verbas necessárias para o seu acabamento. É outra dor de cabeça. Temos tentado resolver o problema, mas não temos conseguido arranjar o dinheiro suficiente para finalizar a empreitada e ter um sede digna, com capacidade de projectar cinema, salas para debates e reuniões. Tudo ainda está por concluir”, resumiu António Costa Valente.

Na visita guiada às instalações, sem protecção nas escadas, betão e tijolos à vista, ausência de mobiliário adequado e salas inacabadas, sobressai o numeroso espólio doado pelo Engenheiro Fernando Gonçalves Lavrador, cineclubista prestigiado do Cineclube do Porto, autor de vários livros sobre Semiologia e Cinema, figura da Resistência ao Fascismo, homem de grande envergadura cívica e intelectual de Aveiro. Um cidadão de grande nobreza e carácter que tive o privilégio de conhecer e acompanhar na minha militância no Clube Português de Cinematografia/Cineclube do Porto.

Se para o Cineclube de Avanca foi “uma grande honra” a família ter depositado a sua vasta biblioteca à guarda da instituição, também, representou uma enorme responsabilidade, já que, os livros, revistas, correspondência vária, recortes de jornais e outros documentos sobre o movimento cineclubista em Portugal antes e depois de Abril terá, necessariamente, de ser estudado, tratado, inventariado e colocado à disposição dos investigadores. Só assim, o seu legado será inteiramente cumprido. Estará o Cineclube de Avanca à altura deste desafio?

Ao fechar o pano de mais uma edição do Festival, já só resta desejar mais 25 anos de vida e muitos filmes para fomentar o gosto pelo Cinema. E já agora, maior envolvimento da população local – cujo acontecimento passou completamente ao lado das suas preocupações culturais – e continuar a apostar na troca de experiências, intercâmbio cultural entre os jovens de Avanca e do Mundo.

 

 

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