Resgatou o país do Fascismo



Se alguma herança posso ter hoje de Álvaro Cunhal, líder histórico do PCP e uma das figuras mais emblemáticas no combate à Ditadura de Salazar/Caetano foi ter contribuído para resgatar este país do Fascismo, 48 anos de total obscurantismo e ausência completa de liberdades, onde um simples beijo na via pública podia ser considerado uma ofensa aos bons costumes e moral vigente. Para os jovens de hoje, este facto pode parecer um “fait-divers”, mas ajuda a descrever o ambiente mental, cultural e político da época, anos 70 do século XX, um país a preto-e-branco, onde a televisão única e partido único manipulavam consciências e impunham a ideologia dominante. O Fascismo estava para lavar e durar. Aparentemente.

Porém, no dia 25 de Abril de 74 e graças à coragem de um grupo de capitães do MFA a Revolução dos Cravos acontece e a poesia está nas ruas. As prisões abrem-se e os presos políticos são libertados. Juntamente com outros democratas, Cunhal regressa do longo exílio e desembarca em Portugal. Recordo-me do seu sorriso contagiante à chegada, os cravos vermelhos na mão, a  gabardine à Bogart, os discursos inflamados às massas populares. Depois, os acontecimentos tomam outro rumo, o país está literalmente dividido e à beira da guerra civil (foi o general Costa Gomes que evitou um banho de sangue) e com o 25 de Novembro separam-se as águas. A Democracia representativa acabou por triunfar em vez do Poder Popular protagonizado por Otelo e pela esquerda revolucionária. 

Por esta altura, o meu exílio é outro. Estou na guerra colonial, Guiné-Bissau, lá longe cercado pelo mato, em Cancolim, na fronteira com o Senegal e minha mãe envia-me para um lugar perdido de África um exemplar do famoso livro “Rumo à Vitória” (que ainda hoje permanece na minha biblioteca), editado pelo jornal “A Opinião”, com arranjo gráfico do pintor portuense Armando Alves, cuja primeira edição circulou clandestinamente em 1964. Uma década depois, em Setembro de 1974, folheio o livro com particular atenção (e emoção) a bordo do navio Uíge, de regresso a Portugal, entre Bissau e Alcântara, sete dias e sete noites pelo Atlântico. Quando chego a Lisboa o país está diferente e a paisagem é outra. Respira-se Liberdade e a Revolução acontece. Muitos anos depois, continuo a admirar a coragem, determinação, coerência e inteligência de um Homem que não gerou consensos, mas lutou como poucos pela Liberdade e Democracia de um país chamado Portugal.

 

 

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