O vale mágico


 

Existem lugares únicos na minha cartografia afectiva onde volto sempre com redobrado encanto. É o caso do vale do Bestança, em Cinfães, um daqueles sítios onde acrescento sempre à viagem o prazer da

descoberta. A minha primeira incursão aconteceu quando o rio estava a
ser alvo de cobiças. Queriam construir por aquelas bandas duas
mini-hídricas que, caso fossem avante, iam colocar em causa todo o
equilíbrio ecológico e ambiental do Bestança. Os alarmes soaram e os
sinos tocaram a rebate.

Na mira do negócio estavam interesses privados em prejuízo do
público. O filme do costume. Atenta ao desenrolar dos acontecimentos,
a Associação para a Defesa do vale do Bestança (25 anos a pugnar pelo
Ambiente mais sustentável para todos) desdobra-se em contactos,
reuniões, desmonta o investimento com dados técnicos e científicos. O
poder político corrobora as suas posições e as mini-hídricas vão por
água abaixo.

Hoje, o vale continua verdejante como dantes e o Bestança, um dos rios
menos poluídos da Europa, mantém lontras, trutas, ginetes, uma
biodiversidade única de igualar. Por lá continuam aldeias perdidas no
tempo, Tendais, Bustelo e Boassas, moinhos e histórias de moleiros, as
alminhas em Mourelos e Enxidrô, muita actividade ligada à pastorícia,
imenso património cultural e natural digno de ser valorizado,
estudado, conhecido. E uma paisagem deslumbrante. “Devo à paisagem as
poucas alegrias que tive no Mundo”, escreveu Torga, um sábio sempre à
frente do seu tempo.

O rio nasce na serra de Montemuro, tem cerca de 13, 5 quilómetros de
extensão e vai desaguar no rio Douro. O resto faz parte da geografia e
a informação está acessível a quem pretender. Na minha memória ficará
para sempre gravada a descida até ao Prado (nome de bonita revista) a
caminhada pelo rio só possível de concretizar com a preciosa ajuda de
experimentados navegantes e em redor, o vale digno de fotografia na
National Geographic ou décor de filmes sobre a Natureza. Ontem como
hoje o Bestança continua a ser a minha pequena e secreta Ítaca
eternizada por Kavafis.

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