Melgaço com 32 filmes e tributo a Jean-Loup Passek

 Imagem do filme Paraíso, de Sérgio Trefaut. Foto © Diretos Reservados

Imagem do filme Paraíso, de Sérgio Trefaut. Foto © Direitos Reservados

Não é uma “Viagem ao Princípio do Mundo” (Oliveira) antes uma “Peregrinação Exemplar” (Bresson) ao MDOC/Festival Internacional de Documentário de Melgaço, com exibição de 32 filmes de 12 países, exposições, debates, cursos de Verão, residências cinematográficas e, nesta oitava edição, “X-RayDoc”, título da novíssima secção e curiosidade acrescida diante do clássico “Cabra Marcada para Morrer” (1984) de Eduardo Coutinho, filme épico do cinema brasileiro. De 1 a 7 de Agosto Identidade/ Memória/Fronteira têm encontro marcado nesta terra de fronteira do Alto Minho.

Comecemos pela mais recente aposta do Festival intitulada “X-RayDoc”, com coordenação de Jorge Campos, jornalista, professor e cineasta, autor de vários documentários, entre os quais, “O Meu Coração Ficará no Porto” e “Os Dias de Mário Cláudio: Tocata e Fuga”. O programador da Porto 2001/ Capital Europeia da Cultura será o responsável da apresentação do filme e tem a seu cargo a conversa/debate com Luís Mendonça. “É um filme extraordinariamente importante, rodado ao longo de 20 anos. Começa em democracia, atravessa a ditadura e é retomado, de novo, em democracia”, referiu.

Na reflexão à “Cabra Marcada para Morrer”, o responsável pela iniciativa contextualiza o tempo e o modo como o filme foi concebido, entre o golpe de Estado de João Goulart (1946/1964) e o governo do general Baptista de Figueiredo (1979/1985) ou seja, o último presidente da Ditadura militar brasileira. “É um filme feito de materiais pobres porque pobres são aqueles que o habitam. A logística é a de uma pequena equipa de reportagem. Equipamentos leves, grande mobilidade, som síncrono. Coutinho faz perguntas. Investiga. Viaja. Sobretudo, conversa. Descobre o filho mais velho de Elisabeth Teixeira, Abraão, no sertão da Paraíba e através dele fica a saber que ela vive, ainda na clandestinidade, num lugar remoto do Rio Grande do Norte onde nem sequer chegou a televisão (…)” escreveu Jorge Campos na reflexão sobre o filme de Eduardo Coutinho.

Voltemos ao festival feito no “sítio mais impensável” (Manoel Baptista, presidente da Câmara de Melgaço, durante a sua apresentação, nas galerias Mira, Porto) e cuja geografia continua, ano após ano, a constituir “uma grande alegria e privilégio” no sentido de animar culturalmente o território, a região e o país.

Assim, na competição ao cobiçado Prémio Jean-Loup Passek cujo festival presta, anualmente, homenagem ao historiador e crítico francês e ao Prémio D. Quixote, encontram-se 32 filmes a concurso tais como: “Mara”, de Sasha Kulak (França); ”Alcindo”, de Miguel Dores, a partir da história do homicídio de Alcindo Monteiro, no Bairro Alto; “Paraíso”, de Sérgio Tréfaut, rodado no Brasil; “Viagem ao Sol”, de Ansgar Schaefer/ Suzana de Sousa Dias, investigadora e cineasta já galardoada em 2019 com o prémio para o melhor documentário.

Pela narrativa assente em testemunhos de crianças austríacas, enviadas para Portugal após a II Guerra Mundial, o filme está a causar, naturalmente, forte expectativa. Na secção Curtas e Médias realce para algumas obras: “Paz”, de José Oliveira/Marta Ramos; “Transit”, de Hugo dos Santos; “Quis saber quem sou”, de António Aleixo e “In Flow of Words”, de Eliane Esther Bots.

O júri oficial é formado por Aida Vallejo, professora de cinema Anna Huth, directora do Instituto de Cinema e Artes Teatrais da Universidade da Silésia, na Polónia; Carlos Natálio, crítico de cinema e professor na Escola das Artes da UCP; Juan Pablo Gonzalez, realizador mexicano e professor no Instituto de Artes da Califórnia e Marion Schmidt,co-diretora da Documentary Association of Europe. O Prémio D. Quixote é atribuído pela Federação Internacional de Cineclubes.

 

Identidade/Memória/Fronteira

Num festival marcado pela diversidade de propostas, experimentação e estudo, acontecem várias cursos de verão, residências artísticas, projectos assentes no triângulo Identidade/Memória/Fronteira. No seminário “Fora do Campo”, orientado por José da Silva Ribeiro, estará em confronto o binómio Antropologia Visual/Antropologia e Cinema, onde os participantes serão levados a discutir “projectos de pesquisa, produção audiovisual e narrativas digitais”.

No “Plano Frontal”, orientado pelo cineasta Pedro Sena Nunes, a residência cinematográfica e fotográfica irá trocar experiências e contribuir no alargamento do arquivo audiovisual e património imaterial de Melgaço. Neste âmbito, serão apresentados os documentários e exposições de fotografia produzidos em 2021. Não é tudo: em colaboração com La Plantación, a realizadora Mercedes Álvarez orientará a oficina “Olhar e Filmar” e Filipe M. Guerra inicia os mais jovens no mundo do documentário.

Por fim, o geógrafo Álvaro Domingues, outra presença habitual no festival, coordenará o projecto “Quem somos os que aqui estamos”, este ano tendo como foco as freguesias de Lamas de Mouro e Castro Laboreiro e João Gigante apresenta o projecto fotográfico “Uma Paisagem dita Casa”.

Resta, ainda, uma notícia preciosa: no Museu de Cinema Jean-Loup Passek (1936-2016) está agendada a inauguração (dia 1 de Agosto, 18 horas) de uma exposição intitulada Cinema Português, pretexto para prestar homenagem ao fundador do Museu, cujo valioso espólio tem vindo a ser estudado e catalogado com vista à sua conservação e também ao estabelecimento de uma parceria com o Festival de Cinema de La Rochelle, fundado e dirigido durante vários anos pelo crítico, investigador e colecionador de Cinema.

No âmbito das residências de criação realizadas no ano passado, o Festival dará continuidade a este tipo de criações e, em 2022, exibirá quatro documentários: A Inverneira de Pontes, de Luís Miguel Pereira; Alua Pólen – Para Ela, D’Ele, de Beatriz Walviesse Dias; Até ao Amanhecer, de José Luís Peixoto, Henrique Queirós e Sebastião Guimarães; e Cristóval – Pontebarxas, de Alexandra Guimarães e Gonçalo Almeida. Contas feitas, já foram produzidos 28 filmes desde 2015. Nada mau na contabilidade de um festival com seis anos de vida e um longo futuro pela frente.

O Festival Internacional de Documentário de Melgaço é organizado pela Associação Ao Norte e desde o seu início, tem assegurado a colaboração da Câmara Municipal de Melgaço.

 

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