Festival de Melgaço: Documentários que o público ovacionou e o júri não premiou

 Documentário Viagem ao Sol, de Susana de Sousa Dias/Ansgar Schaefer, foi um mais dos sentidos e aplaudidos no MDOC. Foto: Direitos reservados.

Documentário Viagem ao Sol, de Susana de Sousa Dias/Ansgar Schaefer, foi um mais dos sentidos e aplaudidos no MDOC. Foto: Direitos reservados.

Ao longo do MDOC/Festival Internacional do Documentário de Melgaço foram exibidos 32 documentários (DOC), 22 longas e 10 curtas. Sem pôr em causa a competência, conhecimento e craveira intelectual do júri aos Prémios Jean-Loup Passek e D. Quixote, o público reagiu de forma diferente ao veredicto final e, quando se esperava que alguns desses trabalhos fossem galardoados, acabaram por ser excluídos da lista de premiados, ou seja, foram bastante ovacionados pelos espectadores e, alguns até causaram até forte sensação e encantamento, mas não fazem parte do palmarés. A surpresa faz parte da competição em todos os festivais de cinema e, Melgaço não fugiu à regra e cumpriu a tradição.

Aqui ficam alguns exemplos que, em nossa opinião, podiam perfeitamente serem contemplados com uma simples menção honrosa. Comecemos pelo notável documentário Viagem ao Sol, de Susana de Sousa Dias/Ansgar Schaefer. Foi um mais dos sentidos e aplaudidos no MDOC e motivo de conversa entre os espectadores mais atentos. “Foi uma emoção enorme, enorme. Por vezes, fiquei em lágrimas”, ouvi, mal as luzes se acenderam, no final da projecção, 107 minutos de grande cinema, rigoroso, de cortar a respiração. Este DOC austero e belo, socorre-se de imagens de arquivo e memórias sobre o drama esquecido de crianças austríacas refugiadas após a II Guerra Mundial no nosso país, tempo de Ditadura, “neutralidade” de Salazar face a Hitler. 

Nem um ruído, um mexer de cadeiras, silêncio absoluto na sala diante desta obra com rasto e críticas elogiosas, “International Documentary Filmfestival Amesterdam” (onde fez a sua estreia mundial)  e “Indie Lisboa” (Prémio “Árvore da Vida”) e, também, devido ao percurso de Susana Sousa Dias, cineasta com uma estética muito singular como demonstrou no notável 48 (2010) cuja câmara vai narrando as histórias dos presos políticos durante os 48 anos de Fascismo (1926-1974) e os rostos daqueles que sobreviveram nas cadeias do Aljube, Peniche, Caxias, Tarrafal…

Em Viagem ao Sol (2021) a cineasta voltou a socorrer-se de documentos históricos, cartas e arquivos particulares e neste DOC, dos relatos de 50 crianças austríacas — das 5500 que fazem viajem para Portugal —, após um acordo de cooperação com a Cáritas para estadia em várias famílias de acolhimento de diferentes extratos económicos e sociais. E se na maioria dos casos, as jovens adolescentes têm alimentação, carinho e afecto, noutras situações predomina a moral e educação conservadora, cujo exemplo poderá ser visto através do comportamento autoritário de um padre incapaz de perceber a realidade da criança e o mundo à sua volta. 

O documentário concebido por Susana de Sousa Dias/Ansgar Schaefer resulta da investigação iniciada em 2016 e, posteriormente, das entrevistas feitas a meia centena de mulheres sobreviventes que, através da narração em voz off vão contando o modo como sobreviveram a este período negro da História. E aqui, não é preciso apelar à memória, pois todos os dias na Europa do séc. XXI vemos, ouvimos e lemos relatos da guerra, famílias com crianças ao colo a fugir da barbárie em busca de um país de acolhimento capaz de dar futuro e esperança a quem ficou sem nada e agora, tem de recomeçar literalmente do zero.

Entre os filmes apreciados e bastante aplaudidos pelo público (as palmas, como sabe, não estão em sintonia com o mérito, o gosto e apreciação do júri) estão outras obras exibidas, tais como Paraíso (2021) de Sérgio Tréfaut; Tomorrow Comes Yesterday (2022) de Kirsten Gainet; Nós Viemos (2021) de José Vieira (ver entrevista, publicada no 7MARGENS, dia 5 de Agosto); You Can´t Automate Me, de Katarina Jazbec; Dida, de Nikola Ilic/Corina Schwingruber; ou Edna, do brasileiro Eryk Rocha, entre outros. A lista ao prémio D. Quixote também preteriu outros trabalhos como O Território, de Alex Pritz, Transit, de Hugo dos Santos; Quis saber quem sou, de António Aleixo; ou Paz, de José Oliveira/Marta Ramos.

Conforme foi referido anteriormente, na oitava edição do MDOC foram exibidos 32 documentários candidatos ao prémio Jean-Loup Passek e ao prémio D. Quixote que, de uma maneira ou outra, “reflectem o ponto de vista dos autores sobre questões sociais, individuais e culturais relacionadas com a Identidade, Memória e Fronteira”. 

O júri oficial desta edição do MDOC — Festival Internacional de Documentário de Melgaço foi composto por Aida Vallejo, professora de cinema na Universidade do País Basco; Anna Huth, diretora do Instituto de Cinema e Artes Teatrais da Universidade da Silésia, Polónia; Carlos Natálio, professor de cinema, crítico e fundador do site de cinefilia À Pala de Walsh; Juan Pablo Gonzalez, realizador de cinema e professor na Cal Arts; Marion Schimidt, co-diretora da Documentary Association of Europe (DAE).

Resta acrescentar que os prémios Jean-Loup Passek (1936-2016) pretendem não só homenagear o crítico francês, antigo responsável no Centro Georges Pompidou, em Paris, mas também, o investigador e colecionador de tudo que esteja relacionado com a Sétima Arte. Passek ajudou a fazer pontes culturais e cinematográficas entre o Museu de Cinema de Melgaço, em parceria com o Festival Internacional de Cinema de La Rochelle, no sudoeste de França, onde foi vários anos seu diretor e mentor.

Este MDOC é organizado pela Associação Ao Norte e pela Câmara Municipal de Melgaço. “O Festival é um contributo fundamental para  a descentralização cultural, uma forma de promover a região e trazer até nós o melhor documentário produzido no Mundo”,  resumiu, ao 7Margens, Manoel Batista, presidente da Câmara de Melgaço, que desde o início do certame (2014) acompanha de perto este evento cultural localizado no Alto Minho. “Fazemos o impensável no sítio [do país] mais impensável, mas é uma alegria e um privilégio.”

 

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