Memórias da Guerra Colonial em “As Mãos Invisíveis”

 Mãos Invisíveis. Documentário

Foto retirada do thriller do filme “Les Mains Invisibles” de Hugo dos Santos.

Se muitos dos episódios da guerra colonial continuam   numa espécie de limbo entre o esquecimento e a memória, o filme “Les Mains Invisibles” (2022), de Hugo dos Santos, exibido, anteontem, na sessão da noite do Festival, avivou histórias de milhares de jovens que, por razões de consciência política e luta contra o regime de Salazar e Caetano, resolveram desertar clandestinamente das fileiras do Exército e, com tal gesto, travaram o seu combate contra o Fascismo. Uma das mais famosas casas de abrigo funcionou, nos anos 70, na Rue de Moulinet, em Paris. Foi o local de refúgio, partilha e cidadania de muitos portugueses.

Meio século após o derrube da Ditadura, foi gratificante rever imagens de um passado não muito distante e com isso, poder escutar testemunhos de várias pessoas (como Tino Flores e Raul Simões Pinto, entre outros) que, de uma maneira ou de outra, resolveram sair da sua “zona de conforto” e dar o salto para França e Holanda, países cujas políticas de acolhimento aos refugiados foram, na época, mais sensíveis às causas dos emigrantes e desertores da guerra colonial.

O filme desenrola-se em dois tempos distintos: por entre os arquivos da antiga PIDE/DGS onde existem testemunhos, folhetos, cadernos, panfletos sobre a guerra colonial, a “comuna” de Paris da Rua de Moulinet e também, em diferentes latitudes, recolha de depoimentos em Amesterdão, Lisboa e Porto, nomeadamente, na Praça do Império, à Foz, cujo monumento perpetua a Exposição Colonial, ocorrida em 1934, no antigo Palácio de Cristal.

Filmes de fronteira

Territórios ocupados

Foto retirada do thriller do filme “Territórios Ocupados” de José Vieira.

Até ao próximo domingo, Melgaço transforma-se na meca do cinema documental, curtas, médias e longas, 32 filmes de todo o mundo, cinematografias pouco conhecidas, casos de Israel, Canadá, Grécia, a par de outras, como Índia, China e Irão, cujas obras e autores são cada vez mais apreciados e galardoados nos principais certames europeus, Berlim, Cannes, Roterdão, Locarno. Os portugueses também figuram na longa lista, com trabalhos assinados pelo veterano José Vieira (“Territórios Ocupados”); Ricardo Leite (“As Maçãs Azuis”) e “Margot”, de Catarina Alves Costa.

Uma “pedrada no charco”, caracterizou Manoel Batista Pombal, presidente da Câmara Municipal de Melgaço, na mensagem inserida no programa da 9ª edição do MDOC/Festival Internacional de Cinema de Melgaço, mas também, um enorme desafio que, ano após ano, o certame vai consolidado em termos de filmes, prestígio, reconhecimento nacional e internacional. “Procuramos representações desse mundo que decorrem do trabalho de criação, em particular no campo das imagens e dos sons e que coloquem em diálogo as diversas memórias e identidades”, escreveu o autarca de Melgaço, cujo certame tem como temas obras directa ou indirectamente relacionadas com a Identidade, Memória e Fronteira.

Além dos filmes concorrentes aos prémios Jean-Loup Passek e D. Quixote decorrem, paralelamente, aos filmes a exibir na Casa de Cultura, o habitual Curso de Verão, coordenado pelos investigadores José da Silva Ribeiro, Alfonso Palazón Meseguer e Manoela dos Anjos Afonso, tendo como tema nuclear o Cinema Autobiográfico/Autobiografias no Cinema; mais o Plano Frontal, residência cinematográfica e fotográfica orientada pelo cineasta e professor  Pedro Sena Nunes, onde os participantes vão produzir quatro documentários  e três projectos fotográficos sobre o território; debates, encontros, um das quais, organizado pelo geógrafo Álvaro Domingues e Álvaro Maciel.

Maçãs Azuis. Ricardo Leite

Foto retirada do thriller do filme “Maçãs Azuis” de Ricardo Leite

Até domingo vão, ainda, acontecer várias exposições, assistir  ao lançamento do livro “Quem somos os que aqui estamos”, espécie de radiografia de Castro Laboreiro, Lamas de Mouro e Labuta, de autoria de João Gigante; sem esquecer a secção X-RAYDOC, com coordenação do professor de cinema e ensaísta Jorge Campos que, nesta edição, irá orientar um debate sobre o “Candid Eye”, a partir dos filmes de  Wolf Koenig e Roman Kroiter. Por seu turno, o fotógrafo e cineasta iraquiano  Maythem Ridha,  premiado em diversos certames internacionais de cinema, irá conduzir uma masterclass intitulada “Contos do Iraque”.

Nestes primeiros dias do MDOC já vários filmes foram exibidos (as sessão são quase “non-stop”, de manhã à noite”) e para já, realce para alguns títulos que suscitaram curiosidade e atenção. Foram os casos de “Mirrors”, de Alfonso Palazón Meseguer (uma curta de 20”); “The Hill”, de Denis Gheerbrant e Lina Tsrimova, onde centenas de homens e mulheres sem futuro vivem literalmente aterrados numa  numa enorme lixeira a céu aberto numa colina do Quirguistão e “Territórios Ocupados”, de José Vieira que, neste último registo, aborda a história dos camponeses e lavradores das serras do Caramulo, vítimas da ocupação violenta por parte do Estado, em 1941, dos terrenos comunitários e subsequente florestação. Daí, voltar-se a ouvir testemunhos e histórias à volta da emigração.

Para hoje, mais um punhado de filmes, mas as atenções estão viradas para “Margot” (2022), de Catarina Alves Costa, cujo argumento relata as vivências e os filmes de arquivo da etno-musicóloga alemã Margot Dias, a vida no norte de Moçambique no seio da cultura Makonde.

 

 

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