Man Ray e Sophie Calle: Dois olhares estéticos sobre o mundo da Arte

 


Sophie Calle - Take Care of Yourself - Exhibitions - Paula Cooper Gallery

 

Ao analisar a vida e obra dos dois fotógrafos, com
percursos distintos em termos conceptuais e modos de
ver o mundo, procurei elencar algumas coordenadas
estéticas de um dos maiores nomes da fotografia mundial
(Man Ray) e uma artista conceptual (Sophie Calle) que
utiliza a fotografia como suporte para o livro e faz da
escrita uma das suas paixões, a par da performance,
instalação, documentarismo.

"Só fotografo o que pode ser fotografado”
Man Ray: pintor, escultor, criador de filmes (“L´Étoile de
Mer”, 1928) fotógrafo de celebridades de Hollywood, Ava
Gardner, Marylin Monroe e Catherine Deneuve foram
algumas divas a merecer atenções; na galeria de amigos,
estão nomes sonantes das artes e das letras, Duchamp,
Picasso, Picabia, De Chirico; depois Hemingway, Dalí, Jean
Coctau, James Joyce e claro, Coco Chanel.
Neste estudo sobre esta personalidade fascinante e, ao
mesmo tempo controversa, inconformista, “um mágico
subversivo com tendência para o pragmatismo” (Wolflang
Kemp, historiador de arte alemão) vou procurar
contextualizar o seu percurso estético, algumas linhas de
força da sua vastíssima obra com início nos Estados
Unidos, onde se refugia devido à II Guerra Mundial e
onde produz centenas de fotos com as mais importantes
e consagradas “stars” do cinema. Por esta época e
seguintes já os estúdios abriam as suas portas a Billy
Wilder, Hawks, Raoul Walsh, Mr. Kane/Orson Welles,
Lubitsch…
Alguns tópicos temporais: Man Ray (1890-Filadélfia/1976
Paris) filho de judeus-russos, estudou arquitectura e
engenharia, pintura e fotografia, mas foram as artes a
dominar o seu percurso, mais ainda quando em 1915
conheceu Marcel Duchamp, famoso pintor francês com
quem fundou o movimento dadaísta. Entre os EUA e a
Europa, opta em 1952, por regressar a Paris e através do
seu trabalho, por vezes provocatório para o público e a
desconstrução das fotos, consegue produzir uma série de
trabalhos que perduram na nossa memória, como por
exemplo, a série de corpos nus de Meret Oppenheim,
artista surrealista que permitiu ser fotografada por Man
Ray e onde surgiu uma foto icónica Lágrima (1932) que,
bem vistas as coisas, mais não é do que um close up do
rosto de mulher com gotas de vidro a imitar lágrimas.
A outra foto que faz a cobiça de colecionadores e atrai
milhões aos museus “Le Violon d´Ingres” (1924)
simboliza uma expressão popular francesa e ao facto do
pintor francês Jean Auguste-Dominque Ingres tocar
violino como hobby quando não estava a pintar. Man Ray
inspirou-se numa das pinturas de Ingres, “The Valpinçon
Bather” (1808) para esta fotografia, serviu-se da modelo
Kiki de Montparnasse nua, de turbante na cabeça, olhando
para a esquerda, seios visíveis e nas costas o artista
manipulou a foto colocando dois orifícios (por onde sai o
som) em forma de efes como se tratasse de um violino.
Com sentido de humor, o artista dirá mais tarde que,
apenas, pretendeu retratar a modelo como se fosse um
instrumento musical.
“Em lugar de pintar pessoas, comecei a fotografá-las e desisti de
pintar retratos ou melhor, se pintava um retrato não me
interessava ficar parecido. Finalmente, conclui que não havia
comparação entre as duas coisas, fotografia e pintura. Pinto o
que não pode ser fotografado, algo sugerido pela imaginação, ou
um sonho, ou um impulso do subconsciente. Fotografo as coisas
que não quero pintar, coisas que já existem” (Prado, 29 de Abril,
2019).
O reconhecimento internacional acontece na Bienal
Internacional de Fotografia de Veneza (1961) ao ser
laureado com a Medalha de Ouro; em 1963 publica a sua
autobiografia “Autorretrato” e em 1966, realiza um dos
grandes sonhos da sua vida, a primeira grande
retrospectiva da sua obra em Los Angeles Country
Museum of Art. Saltando no tempo, no limirar do século
XXI e após a sua obra ter sido admirada em várias partes
do mundo, Guggenheim Museum Bilbao, 2008; Peggy
Guggenheim Collection, em Veneza 2014, uma parte
significativa da sua colecção foi revelada em 2000, no
Museu do Chiado, cerca de 400 obras pertencentes a
Giorgio Marconi, galerista, coleccionador italiano, amigo
íntimo de Man Ray, fundador da Marconi Foundation, em
Milão.
Artista à frente do tempo
Se é certo que a composição da fotografia em Man Ray
também se aproxima à pintura – é conhecida a sua
admiração e influência por Caravaggio e Miguel Ângelo -,
a escala também é muito importante, ou seja, a relação
com o objecto e o espaço. E, não por acaso que, toda a
sua obra é efectuada em estúdio, com algumas imagens
de expressividade tridimensional dando a sensação a
quem vê que os corpos saltam. “É o fotógrafo mais
exemplar, modelos escultóricos e com memórias da
escultura grega" (Carvalho, José Maçãs, 2022)
“Coleccionei desde os primeiros encontros as obras de
Man, pinturas, desenhos, objectos. Não as fotografias e
os rayogramas. Isso seria depois. Man, inicialmente,
queria que me ocupasse dele como artista-pintor. Talvez
porque fosse este o aspecto menos conhecido da sua
arte. Tinha obtido fama e um certo bem estar como
fotógrafo de moda e vestuário. Mas as suas fotografias de
autor e os seus rayogramas, os seus objectos e as suas
pinturas não eram conhecidas como mereciam”.
(Marconi, Porquê, Ray, p, 13).


Figura proeminente de alguns movimentos de vanguarda
na Europa e nos EUA, Dadaísmo e Surrealismo, o seu
nome continua a ser incontornável na arte
contemporânea do séc. XX e a sua vastíssima obra está
representada em diversos museus, colecções particulares.
As suas fotos atingem ainda no séc. XXI valores incríveis,
inacessíveis à maioria das instituições. A última obra a ser
comercializada, “Le Violon d´Ingres” (1924) foi leiloada e
arrebatada por 12, 4 milhões de euros. (Público, 15 de
Maio, p, 37, 2022).

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