Legado artístico de Jaime Isidoro em livro


O título da obra ‘A Arte Sou Eu’ poderá parecer provocatório à primeira vista, mas é muito mais do que um simples livro no sentido literal do termo. Além de excepcional qualidade gráfica e artística, ‘A Arte Sou Eu’ foi o texto lido pelo pintor Jaime Isidoro, em Fevereiro de 2007, no decorrer da cerimónia de homenagem promovida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira.
“Com esta expressão feliz, Jaime Isidoro condensa, sintetiza e conclui todo o seu entendimento do que é a arte e a sua acomodação em termos de projecto de vida e artísticos”, escreve António Quadros, na nota explicativa sobre a razão e escolha do projecto. Para quem o conheceu (como eu) a vida e obra de Jaime Isidoro (1924-2009) ficará plasmada em duas expressões: Liberdade e Felicidade.Jaime Isidoro - Atelier em Valadares, Junho 2004
Depois, este trabalho agora editado pelas Edições Afrontamento (só uma editora de resistência se atrevia a publicar este ensaio) traduz não só a apaixonante vida e obra do pintor e aguarelista, mas também o galerista e “agitador cultural” num tempo de incertezas e liberdades cerceadas, o homem interveniente e activo sempre à frente do seu tempo (desculpem a frase batida, mas não tenho outra que traduza todo o labor e legado deixado no domínio das artes visuais) avesso a academismos e a clichés, amante da Liberdade, incansável divulgador da arte moderna. Como muita gente tem memória selectiva recordo com particular emoção o papel pioneiro da Galeria Alvarez, no Porto (foi única num tempo em que não existiam espaços culturais na cidade) mais o papel interventivo da Casa da Carruagem, em Valadares, os Encontros Internacionais de Arte realizados no país, entre os quais, nas Caldas da Rainha, em 1977, onde muitos dos participantes (entre os quais me incluía) tivemos de fugir devido a uma carga policial da GNR) e,
depois, o início das célebres Bienais de Arte de Vila Nova de Cerveira, em Agosto de 1978, um prodigioso projecto de
descentralização cultural que, ontem como hoje, continua a animar culturalmente o Alto Minho. (Eu estive lá e testemunhei a alegria e admiração como gente de todas as idades e condições sociais viu pela primeira vez um quadro de Paula Rego ao som da filarmónica local).
Voltemos ao livro, mais de trezentas páginas repartidas por cinco capítulos correspondentes às principais etapas da sua vida e obra, as exposições do Salão de Belas-Artes e do Salão Primavera, a primeira mostra individual ocorrida no Salão Fantasia, no Porto, em 1945, onde Jaime Isidoro passa de “artífice a artista”, depois o reconhecimento nacional e as distinções conseguidas, entre as quais, o prémio José Malhoa e a bolsa de estudo em Paris permitindo a sua aproximação à obra pictórica de Picasso, mais o conhecimento de Maria Helena Vieira da Silva, Artur Bual e Polliakoff. Como não podia deixar de ser o Porto, sempre o Porto, figura na sua infindável lista de preocupações e fonte de inspiração para as suas telas pintadas a óleo e aguarela, o rio Douro, o casario da Ribeira, as suas gentes e paisagens, diversas tonalidades e matizes, seduções vistas em diferentes ângulos e latitudes. Na pintura [de Jaime Isidoro] a arte torna-se sedução. Nela, “a arte é a sedução mais parecida com o milagre”, escreveu Agustina, num livro de homenagem ao pintor publicado nos anos 70.Jaime Isidoro no seu atelier em Valadares, Junho 2003.
Numa publicação onde são reveladas “ideias e conceitos sobre arte” do pintor portuense e a importância de Alvarez, Amadeo e Nadir Afonso, ‘A Arte Sou Eu’ descreve, com particular detalhe, outros projectos artísticos liderados ou partilhados por Jaime Isidoro, “Pespectiva 74 e a Casa da Carruagem”, o aparecimento da revista de Artes Plásticas, “1974 e o Manifesto de Vigo”, “Jaime Isidoro, o Projecto Alvarez e a Escola do Porto”, sem esquecer uma pormenorizada biografia e biobibliografia, além de fotos, muitas fotos, algumas delas pouco conhecidas do grande público. No meio do livro profusamente ilustrado e graficamente impecável (parabéns Eduardo Aires pelo design e trabalho editorial) o leitor irá encontrar uma emocionante carta de amor (“escrita em cerca de 90 dias e 90 noites”) onde se misturam a poesia, gratidão e memória e cuja publicação apenas foi conhecida após o falecimento de Maria Marcelina, a mulher e musa que sempre acompanhou o artista ao longo da sua vida.
“O ensaio procura fazer uma abordagem transversal sobre a obra de Jaime Isidoro desde os anos 50 até hoje. Nunca podemos esquecer que o pintor teve um papel fundamental na divulgação da arte e dos artistas, acrescido do facto de, nesses tempos, não existirem galerias nem coleccionadores. Foi um divulgador da arte moderna no país e no
estrangeiro. Sempre teve um olhar cosmopolita da arte. Hoje, fala-se muito em descentralização, mas a descentralização que, desde sempre esteve na sua mente podia passar pela construção de novas centralidades. Como se vê é uma estratégia perfeitamente revolucionária para a época, década de 70/80 do séc. XX. Jaime Isidoro
foi um visionário”, resume António Quadros Ferreira.Document5
“Este trabalho é um valioso testemunho sobre o meu pai e, ao mesmo tempo, uma  homenagem a um Homem que fez tudo pela arte e pela sua divulgação. Tenho a certeza que irá revelar aspectos menos conhecidos da sua vida de artista, galerista e agitador cultural, bem como outras facetas ainda por descobrir. É um testemunho para as novas gerações, uma obra de investigação que enobrece o seu autor”, resumiu Daniel Isidoro.
‘A Arte Sou Eu’ será apresentada esta quarta-feira, dia 6 às 18h00, na Cooperativa Árvore, pela professora Fátima Lambert e pelo autor da obra, o professor António Quadros Ferreira que, durante muitos anos leccionou na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto.



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