Filinto Nina, o meu professor de música


Foi com 10 anos que comecei a saber o que era uma clave de sol e pela primeira vez observei uma pauta (ou pentagrama) com símbolos dos sons: dó, ré, mi, fá, lá e si, mais a colcheia, semicolcheia, fusa e semifusa. Para mim foi tudo letra de música. As lições na antiga Escola Técnica e Elementar Gomes Teixeira, à Praça da Galiza, no Porto, faziam parte da disciplina Teoria Elementar da Música e Canto Coral e o professor Filinto Nina foi sempre um homem afável. Deixava os alunos à vontade, isto é, podiam entoar todos os sons possíveis e imaginários que nunca ficou aborrecido.
As aulas eram uma sinfonia desconcertante, estilo “alegro ma non tropo”. Quando a turma diminuía o ruído de fundo, Filinto Nina ganhava paciência e explicava aos irrequietos adolescentes o significado do “compasso binário e ternário”, os exercícios de leitura rítmica. Lembro-me de ouvir falar pela primeira vez de “andamentos vagarosos ou lentos”,  tipo largo/largueto/adágio; “vivos ou apressados”, como allegro/vivace/presto.
Depois dos exercícios de entoação, do “fá maior” e do “sol menor”, surgem as canções a uma e duas vozes, mais “A Portuguesa”, com música de Alfredo Keil que, muitos anos depois, entoei em cerimónias mais ou menos solenes, tipo juramento do Serviço Militar Obrigatório.
Como o Fascismo nunca brincou em serviço e as escolas serviam de trampolim para a propaganda do regime de Salazar, lá fui obrigado a decorar a Marcha da Mocidade Portuguesa, cuja letra fazia lembrar os cânticos de grandes feitos heróicos, mais o “Hino do Lusito”, “remake” de outros acordes cujo objectivo sempre procurou incutir aos mais jovens o amor à Pátria. “Se algum dia preciso for preciso ir combater pela Nação/Iremos com a Fé em Deus e a Pátria no coração”.
O ano lectivo de 1960/61 terminou como começou: em festa, entoando canções do reportório da época, tipo “Meu Portugal” e “Vira da Penha” (ambas com música de Filinto Nina), “Cachopa”, “Vira de S. Martinho do Porto” e alguns temas populares da Beira Baixa, Algarve, Estremadura/Ribatejo, como “O Arco do meu Adufe”,“Tia Anica do Loulé” e “Verde Gaio”. Pelo Natal, era certo e sabido que tinha de decorar o conhecido “Canto dos Pastores, a “Canção de Embalar” (obviamente, com música de Filinto Nina), sem esquecer “O Rapaz aperta a Faixa” e “Alecrim”.
Há dias, um amigo que partilhou a turma comigo na Escola Gomes Teixeira trouxe-me o precioso livrinho de 50 páginas e pude então, reviver com esta pauta feita de sonoridades antigas as aulas, os dias traquinas e felizes das primeiras notas musicais. Será, então, tempo de homenagear Filinto Nina, o único professor de música que tive na vida. E que ensinou notas de alegria em troca de um sorriso cúmplice.






Comentários

  1. Sou filho do prof. Filinto Nina e fiquei muito sensibilizado pelas suas palavras sobre as memorias que tem do meu pai, testemunhando quanto era a sua dedicação à musica e como a partilhava com os seus alunos. Bem aja. José Filinto Nina

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  2. Fui aluno do professor Filinto Nina, na Escola Técnica Elementar Gomes Teixeira, no ano lectivo de 1967/68. A sala de aula era próxima da cantina. Como eu gostava de ouvir o professor tocar, no velho harmónio lá existente, o tema de Lara, música tema do filme Doutor Jivago composta em 1965 por Maurice Jarre. Sempre que oiço essa música recordo com saudade aquele tempo...

    Humberto Sá

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  3. Fui aluno desse exemplar professor na "Gomes Teixeira" em 62/63 e 63/64, 1 e 2º 18. Foi no velho anfiteatro com este singular SENHOR que aprendi e a gostar de música.

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  4. Também fui aluno do professor Filinto Nina creio que no ano de 1966/1967 na Escola Gomes Teixeira. Participei a contragosto também no orfeão da escola porque como tímido que era, não gostava de participar. Mas reconheço o empenho do professor no ensino. Nas aulas de Canto Coral - assim se chamava a disciplina - aprendi a cantar decentemente o Hino Nacional e vários outros hinos do antigo regime como o da MP. Ainda hoje quando alguém refere "Lá vamos cantando e rindo..." recordo a letra de um desses hinos e as aulas do prof. Filinto Nina. Curiosamente, hoje o meu filho tem uma licenciatura em música, é clarinetista em diversas formações e professor de música.

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  5. Também foi o meu professor de Canto Coral no Gomes Teixeira. O que sei de música devo-o a ele. Quanta paciência tinha! Sigo guardando o seu livro. Uma pessoa inolvidável.

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  6. Filinto Nina foi, também, professor no Liceu Sá de Miranda, em Braga. Curiosamente tenho algumas das suas partituras e brochuras impressas como, Meu Portugal: Canção Patriótica. O autor da letra foi o Dr. Franklin Nunes.

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  7. O Prof. Filinto Nina foi também meu prof. no então Liceu D. Manuel II, actual Rodrigues de Freitas. Ficou-me na memória, apesar de eu nunca ter sido um dos seus bons alunos. Boa recordação deixou o Prof . Filinto Nina. Saudações à família com motivo de grande orgulho.

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